sábado, 25 de outubro de 2014

O mundo é "bão", Sebastião

No século XVI, Portugal viveu um momento histórico importante: o rei D. Sebastião “desaparece” em uma batalha marroquina, no Alcácer Quibir, tornando o reino sem governo, e consequentemente, gerando a União Ibérica, em que se tornara dependente politicamente da Espanha. Essa perda criou o mito do “sebastianismo”, em que se acreditava no retorno do rei, que, numa vinda messiânica, devolveria a independência aos lusos.  Durante muitos anos esse mito ainda influenciava nossos patrícios.

No final do século XIX, o Brasil reviveria o mito do Sebastianismo, pois em Canudos, arraial nordestino em que se combatia a república recém instalada, o líder político e religioso ainda professava o retorno de D. Sebastião. Com isso, a monarquia seria devolvida aos brasileiros e o sistema recém instaurado (considerado impróprio aos olhos do beato e seus seguidores)seria combatido.

Hoje, mais de cem anos depois, ainda parecemos viver sob o mito do sebastianismo.  O Brasil que foi se criando, sob o viés da impunidade, da corrupção, da marginalização tem a necessidade de uma figura que, de maneira “triunfal” virá para resolver todos os males. Desde a abertura política que encerrava a ditadura militar se tem essa impressão. Como se problemas de até quinhentos anos pudessem ser resolvidos por uma única pessoa.

Assim foi a eleição de Luis Inácio há 12 anos. Depois de suportar os insucessos da morte de Tancredo e do governo Sarney, do desastre chamado Collor e do arrocho de oito anos do governo tucano, os brasileiros, enfim, elegem ao poder o Partido dos Trabalhadores. Partido esse que, historicamente, representava a revolta ao sistema e a inserção da classe trabalhadora e pobre no poder. Eleger um nordestino, operário e sindicalista, foi uma forma de trazer “Sebastião” de volta, e devolver a dignidade ao povo.

O que se viu foram avanços no que diz respeito à políticas públicas, a avanços em áreas como educação e geração de empregos. Mas se observou que a figura saída do povo se “elitizou”, passou de representante do povo a representante do poder. E infelizmente, essas duas representações ainda não caminham juntas no nosso país. Somados a essa decepção, ainda temos os escândalos sucessivos em diversas esferas nos governos do PT.

E hoje, o mito retorna com sua força. Muitos vão às urnas amanhã na esperança de vencer o “mal” da corrupção com a simples digitação de dois números. A figura salvadora, o “Messias” surge, prepotente e cínico na figura tucana de Aécio Neves. Travestido de homem bom, de família, “coitado” pai de gêmeos prematuros, casado com uma linda esposa de beleza helênica, criado no seio da política, representante nato da moral e dos bons costumes.

Assim temos nosso novo “Sebastião”, que profere frases do tipo “me preparei para esse dia a minha vida inteira”, como se fosse um super herói dotado de “raios supersônicos” capazes de transformar um país, de uma hora para outra, numa cena final de um filme de Hollywood. Ontem, no debate, o mineiro foi capaz de afirmar que “para combater a corrupção é só tirar o PT do governo”.

Será que ele tira todos como idiotas, incapazes de pensar? Ou será que essa pessoa é mesmo inocente de acreditar que apenas um partido em meio a tanta lama é responsável pela corrupção? O pior é ver que tem gente que repete esse discurso vazio, sem propostas coerentes e embasadas, sem projeto de governo claro para educação, saúde e segurança. O país está assim há quanto tempo? Que eu saiba, pelo que estudei no banco de uma escola pública, a resposta data de mais ou menos uns quinhentos anos. Enfrentamos “problemas de base”, de uma colonização exploradora, de uma monarquia controversa, e de uma república criada numa falsa perspectiva de democracia. Nunca vivemos, na história desse país, uma verdadeira independência e um verdadeiro governo do povo e para o povo.

Acreditar no messias é, no mínimo, ingênuo. Querer mudar nossa condição é totalmente natural e é ESSENCIAL. Mas mudar por mudar resolve alguma coisa? Uma pessoa, um grupo ou apenas UM partido detém essa fórmula? MUDANÇA não significa melhora. Mudar é uma coisa, melhorar é outra completamente diferente. Quantas propostas realmente novas nos foram apresentadas e negamos? Por que achar que dessa vez vai ser diferente, se dermos o aval a quem já provou fazer o mais do mesmo?

Por acreditar no retorno do rei, Portugal se entregou ao ostracismo. Enquanto acreditarmos no “Desejado”, estaremos fazendo o mesmo. E enquanto esperamos, enquanto bradamos por justiça, por moral, por ordem e progresso, vamos nos afastando cada vez mais desses objetivos. O que se faz necessária é uma mudança política séria, a instituição das ideologias partidárias efetivamente representadas, uma verdadeira compreensão, por parte do povo, do papel de cada esfera dos três poderes. Enquanto isso não acontece, viveremos uma eterna ditadura.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Bordado

Com que fio
se fia
se cria
dia a dia

essa fiança
em confiança

nesse bordado
achado
de outro passado
que passou
e novo se faz

nessa linha
nesse ponto

tão propício
esse encontro
de dois "contadores"

que escrevem
novo conto
a uma só mão
um só coração

que avessos
que tão travessos

estão
traçando cada cruz

tecendo
fio a fio
sem estio

sem saber que
o que importa
não é aquilo
que se mostra

mas aquilo que se guarda
que se resguarda

o avesso
que se forma
sem linhas e nós

do belo bordado
nas linhas de nós