terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Manhã de dezembro

Nesse silêncio que fala
Nesse perfume que exala,
Uma saudade se instala,
E cala.

Nossas horas distantes,
nossos efêmeros instantes,
que de eterno
transforma,
disforma
o tempo,
informa ao vento
que essa é a nossa hora.

Misto de agora e outrora,
Crepúsculo e aurora,
Desse sol,
desse verão,
dessa manhã de dezembro
Nesse ocaso.

Nosso acaso,
se bem me lembro,
se não esqueço.
seu verso fala,
meu peito cala.
em lágrima,
em pétala
de nova flor,
de nossa cor,
de nosso amor.




sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Amantes futuros

E quando os amantes
Futuros forem,
será sentimento?
assim como esse
Em meu peito,
Rebento.

Que arrebenta
E não segura,
Uma mistura,
De um presente passado,
De um amor condenado
A ser...

E quando a cidade submergir,
Virão os escafandristas?
Ou modernistas,
Ou realistas,
Ou ateístas,
Ou otimistas,
Cantar esse amor?

Amores serão 
sempre amáveis...

Doce melodia,
ao fundo anuncia,
um amante futuro
amor um dia deixado
em cartas, registrado,
em poemas, retratado.

Se nada é pra já,
Se pode esperar.
Dias, meses ou anos.
Dois ou dez.
Que importa?
Que tamanho
Tem a medida
De um tempo
Que não nos pertence?









domingo, 17 de novembro de 2013

Herança

O que levas,
nessa bagagem,
nessa viagem,
nessa passagem?

Uma esperança,
tanta lembrança,
um monte de criança.
Tanta história,
fardo pesado,
causo engraçado,
prosas vespertinas,
um sonho de menina
em verso de anciã.

Uma receita de amor,
seu eterno movimento,
sua testa franzida,
seu sempre rir da vida,
em misto de alegria
e um tanto de dor.

E o que deixas
nessa linhagem
nessa estiagem?

Deixa seu melhor prato,
deixa seu belo retrato,
a lembrança de um trato,
sua sabedoria,
sua cozinha e seu quintal.

Deixa uma fé tamanha,
nesse novembro tão doce,
e em qualquer mês que fosse,
deixaria essa história,
deixaria na memória,
suas dores e sua graça,
nessa vida que sempre passa.

Nossos momentos de dor,
A lembrança de seu riso,
Seu abraço preciso,
Suas palavras de aviso.
Agora em suspensão,
agora, nessa canção,
à que anuncia partida.

E fica,
em herança,
em lembrança,
nessa eterna aliança,
em sangue fixada,
mas ainda mais marcada,
em laços de seu amor.



sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Vir a ser

O que vem a ser
quando vira o mundo

Quando gira a roda
e faz renda,
faz tenda,
traz encomenda,
nessa contenda,
chamada vida.

Vira ser
Vir a ser
Viver!

Rir,
sentir,
prevenir,
banir,
progredir.

Vira gente,
vira bicho,
vira raso,
vira só riso,
sorriso,
só e isso.

Vira o que antes
não olhava,
caminha,
estrada que não levava.

O que vem?
O que esta por vir?
O que está por rir?
Que pranto pra cair?
O que virá?
Enquanto o mundo vira...




sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Ponto de vista

Quem era ela?

Já não sabia,
se o que via,
era a que rias,
a que encantaria,
a que narraria,
com tanto amor,
mas tanta ironia.

De quem são os olhos?
De quem são os modos?

Era o de fato
ou apenas retrato?

O que de real,
um quê de ressaca,
física e moral
que inebria,
que contagia,
que encanta.

Quem era ele?

Em seu modo torto,
no seu narrar roto,
a trazer certo desgosto,
amargura estampada no rosto.
fel na pena,
história que condena.

Mas o que seria dela,
sem que ele
estendesse passarela,
sem que lhe desse a tela,
a pintá-la assim tão bela.

Que só assim é feita,
tão sublime e tão perfeita,
essa encantadora sujeita,
em sua dança de cigana
poderia ser profana,
quiçá até mesmo tirana.

Mas ele, e seu jeito tenro,
sujeito até mesmo ingênuo,
flechado no coração.
Ainda que em certo trago,
ainda que em gosto amargo,
deu-nos bela visão.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Aniversário

De verso em verso
Completou-se a primavera.

Nesse inverno inverso,
Aquilo que quisera.
Quimera!

Essa rima,
esse riso,
esse verão.

Minha à mão,
escrita.

Nessa arte,
minha ousadia,
que enfrentou
o outono,
a letra muda,
a tarde vazia.

Venceu o gelado vento
abriu pensamento?
descobriu talento?
despertou intento?

Invento,
novo jeito,
novo trajeto,
nessa tentativa,
nesse projeto,
meu abrigo,
meu teto.

Nessa estação
em que parto e fico
em que me mostro
e me edifico.

Foi questionário.
agora, relicário,
nesse novo calendário
em que guardo,
em vez de meses,
todas as vezes,
todas as vozes.

meu coletivo,
meu pranto vivo,
meu canto avesso,
meu endereço,
minha rede, meu progresso.
meu ano em verso.

Aniversário!


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A corda

Dei corda pra essa menina
E ela resolveu se enforcar!

Escolheu árvore e banco
Decidiu encerrar o pranto

Suicidou-se!

Em meio àquele marasmo
Cometeu o pleonasmo

Encerrou-se a si mesmo
Vagou por aí a esmo.

Sem entender a corda que dava
Sem entender aquilo que falava!

Acorda, eu dizia!

Tola menina!
Não abriu a retina,
Mergulhou na esquina

Do amor! Cometeu erro grave
Sem entender de ambiguidade

Em sua doce ingenuidade
sem querer acordar, dormiu.

Um sonho sem beijo
que dura eternamente!

Que a fez virar semente,
que morre e cresce novamente,

Renasceu, pranto remido,
aprendeu a dar ouvido

à gramática dessa vida,
que faz do fim nova partida.

Acordou e fez da corda,
Fio nobre, e hoje borda.

Nova história, novo tecido.
dessa vez, sem duplo sentido.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Coletivo

O coletivo de lobo,
Normalmente é alcateia,
Mas a palavra matilha
Também passa essa ideia!

Pra isso, não é preciso
Conhecer de poesia.
É só clicar no Google,
E está feita nossa alegria!

Mas só mesmo um poeta
Pra entender que a primeira
Tem um som meio esquisito
E escolhe a segunda
Pro texto ficar mais bonito!

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Vago Jardim

Vago!

No labirinto
de suas flores
de seus amores
de suas dores.

Onde me encontro?
Por que o encanto
Vertido em pranto?

Canteiros,
onde colhes suas rosas
onde vives de suas prosas.

as mais belas,
as quimeras
as janelas
abertas
vertem-se para um
distante horizonte.
como beber dessa fonte?

ainda que tivesse voz
ainda que tivesse vez

Desvio
à margem do rio
que nunca encontra
seu mar.
Ah, mar!
que não transita
que é destino
e perdição

Ressaca!

Jogo-lhe flor
colhida outrora
agora,
desfez-se em
pétalas
estrada reta
que não desvia
e nem finda

Onda vaga
nesse tempo
nesse nada
nessa estrada
onde busco
flor singela
belo cravo
doce jasmim

labirinto,
o que não minto,
o que sinto,
nesse quintal,
em que plantas,
em que colhes,
em que vives,
em que morres,
enfim.

Vago jardim!






sábado, 14 de setembro de 2013

Poesia Vazia

Assim como o poeta,
passa o dia com sua pena
em que os versos não vêm.

Assim como o profeta,
passa os dias no deserto
falando pra ninguém.

Assim, eu e meu poema
Que no vazio se instala
Em meio a tanto desdém.

Oh, palavras,
Em que reverso
se instalam,
quando se calam?

Meu silêncio grita!
Agonia,
tirania,
linha vazia.

Enquanto sozinha,
com a branca folha
e a cansada caneta,

enquanto sentada,
na sala muda,
nesta cadeira,

a poesia vazia
enche
minha vida inteira!



quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Ladeira

Quem sobe a ladeira?

Risadas,besteiras,
companheiras
de uma vida inteira.

Pouco importa
o que desce.
O que perece,
nada merece.
Apenas carece
de sua prece.

Importa a subida,
importa sua vida,
importa a nova partida,
seu novo caminho de ida,.

Importa sua Graça,
importa onde dormem as garças,
importa a vida que esgarça.

e cresce, e renova,
ainda que com sua prova,
ainda que com suor,
dê sempre o seu melhor.

e a ladeira?
essa descida
sem eira nem beira?
nem queira!

Lindo de se ver
é esse novo viver,
é o seu lindo fazer,
que se desdobra,
que realiza a obra.

A verdadeira beleza
não está no que fica,
está naquele que edifica,
a vida e sua verdade,
o charme da sua liberdade!


domingo, 1 de setembro de 2013

Agosto

Que falta de gosto!

Há gosto
no mês do desgosto,
no que foi deposto
no lado oposto.
no vento no rosto.

Superstição
Invenção
Madeira na mão
Patuá, mal dição.

Nascimento
Felizes momentos
canções ao relento
viola em lamento
não param no tempo

não ficam estacionadas
no oitavo mês
não perdem a vez
estão , freguês,
a seu gosto.



terça-feira, 27 de agosto de 2013

Bem ou mal

Por que de mal?
Que mal há
no vazio
no estio
no silêncio.

Oco,
toco,
tosco.
Imposto?
Quanto se paga
o que não apaga.

De bem?
O que tem?
Será que convém,
tanto porém,
um tempo além,
um certo desdém,
eu, feito refém.

Bom mesmo
é o bendito
que em seu dito
em seu canto
tão bem escrito.

Disse
em letra,
em música
e tom
Cruel é o bem
E o mal é bom.


terça-feira, 13 de agosto de 2013

A deusa coroada

Por que insistes em descer
do alto em que te ponho?
Por que depões meu sonho?
Por que esse ar tristonho?

Teimosa criatura!
Enche de amargura
meu mundo de ideias
minha pouco sincera
imagem que fiz austera
minha rima, minha quimera.

Entre coroas, posta
pouca resposta
insana proposta
no que se mostra
no que se imposta

Enlouqueço!
Me entorpece
esse erro todo
Me entorpece
esse ar de nojo
Me entorpece
esse seu despojo
Me entorpece
seu humano jeito
Me entorpece
tanto defeito
Me entorpece
o que fiz, desfeito.

E assim,
quando o chão pisa,
quando meu ser divisa,
quando não me realiza,
quando se humaniza
Faz de minhas palavras
duras flechas!

E ao te ver deposta
ao te ver exposta
tão displicente,
com meu olhar já descrente,
chorando aquilo que sente,
sentindo tanto, que mente,
mulher tão incoerente,

vivendo de maneira errada,
tão deusa, mas tão marcada
ferida e maculada
digo, a acertar-te o peito
com a dureza de uma facada
Este não é o lugar
Para uma deusa coroada!


domingo, 11 de agosto de 2013

Segunda Conjugação

Perdida a esperança,
colocada numa balança,
ainda restou a dança.
ainda a perseverança.

Num momento de cansaço
nasceu o desabafo.

Ainda resta o mundo,
ainda resta o profundo,
ainda resta o riso,
ainda resta o preciso.

Resta o infinito,
o gerúndio,
vivendo,
aprendendo,
jogando,
e por que não
esperando?

No eterno recomeço,
paradigmas mudados
O que conjugava se foi.
Em tempos tão passados.

Perfeitos ou imperfeitos?
Que determina esse jeito?
tempo e modo de um ser
que precisa ser refeito.

O que vem depois?
Inspiração ou intuição.
Da criança que espera viver
em segunda conjugação!



terça-feira, 6 de agosto de 2013

Balança

Que critérios?
Não há mistérios
Não há contagem
Não há pesagem
pra massa morta.

Inexistente,
inconsistente,
inconsequente.

Não há consolo
é desafogo
do copo cheio
provém o fogo.

Flamejante,
incendiante,
cortante,
delirante.

Sem equilíbrio
desse peso
que pende,
imóvel
no peso morto.

Desequilibro
nessa balança
que me lança
nessa dança.
Não perco bondes,
mas perdi a esperança!


domingo, 4 de agosto de 2013

Questão de interpretação

às vezes me sinto muda,,
às vezes me sinto nula,
às vezes me sinto duas.
só sinto sempre
que sou sua.

Meu medo escorrendo
entre tão pequenos dedos.
Como segurar em minhas mãos?

Me faltam versos,
Me faltam verbos.
Me sobram incertezas,
me resta só defesa.

me sobra a correnteza
que me arrasta
e me leva,
nessa ressaca.

sobra o que sou,
o que talvez não veja,
sobra o que vê
e que talvez não seja.

sobra o ambíguo,
sobra o sentido,
sobra o dito,
o entendido,
o corrigido.

sobra essa minha canção
sobra a sua visão
questão de interpretação





sábado, 27 de julho de 2013

Poema de Guardanapo

Tantas perguntas,
Tantas repostas!
Pra que saber?
Por que responder?

Tantos silêncios guardados
tanta matéria estudada,
tanto rascunho rasgado,
tanto arquivo apagado.

Pra onde vão 
nossos silêncios
quando deixamos 
de dizer o que sentimos?

Em seus versos
encontrei minha rima,
na sua doce aurora,
abri minha cortina.

Como se chama
Já não importa
Em seus guardanapos
Singelas respostas,

Apenas questões
Tantas interrogações
Linda visões
minhas inspirações.

E esse silêncio?
E esse lamento?
E esse tormento?
Pra onde?

Se tivesse a resposta,
Se vencesse a aposta,
Essa rima tão torpe
Sequer seria posta!

O que eles são?
Por que tanto não?
Pra que essa canção?
E os silêncios?
Pra onde eles vão?



domingo, 21 de julho de 2013

Lunes

Enquanto seguem livres
os seus olhos
Vidrados
Virados
naquela noite em vieste.

Tantas palavras
tantos verbos
tanto subjuntivo
tanto se
tanto quando
tanto que.

O que muda?
Por que mudo?
Quero tudo?
Quero agora?

Lá fora a lua,
ainda em seu crescente.
Amanhã, será cheia.
Lunes.
Feliz coincidência?
Insistência?
Latência?

Enquanto as respostas,
enquanto as propostas,
nem foram ainda postas.
Talvez retire as palavras,
talvez mude as jogadas.
Talvez me mude,
talvez fique muda.

Nesse jogo de coragem,
nessa hora de estiagem,
nesse tempo de passagem,
que palavras me traduzem?

Já não sei o que digo,
já não sei quando ligo,
já não sei se consigo.


sábado, 20 de julho de 2013

Missão

Novo valor se levanta,
Na força da fé,
Na força do amor,
Na força motriz
Que move moinho,
que abre caminho,
que faz menino
caminhante na vida.
Peregrino!
Um nome que une,
raça, povo, nação!
Um Deus que faz
todos irmãos!
Belo hino,
à fraternidade,
à igualdade,
à felicidade.
à paz que vem de um nome,
à chama que se consome,
num altar peculiar,
particular,
que tem amor
e faz amar.
que faz da vida
doce canção
altar sacramentado
em jovem coração!

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Encantos

O que cantas?
O que me encanta?
O que se levanta?
Em que crescente?

Seu canto,
sua música,
seu repertório,

Sua canção
em que me acho,
em que me pinto,
em que me solto.
e me disfarço
e me encaixo.

Em composições,
emocionais verões,
que recrio assim,
sem insinuações,
só pro meu prazer.

E me aprazo,
seu canto raso,
desperta meu riso
um quê de cafonice
que se não ouvisse
sequer acreditava!

E assim, em cantos
Assim o encanto,
assim eu canto,
seu entretanto.

E assim,
um amor aos cantos,
um desejo tanto,
remanso.
em letra,
em canção
en canto!










domingo, 14 de julho de 2013

A um poeta

Enquanto sigo no seu barco,
Náufrago de minha alma,
Sinto seu amor e sua latência,
seu Chile, sua vivência,
seu poema, sua experiência.

Sim!
Solenemente, me tocas o coração!
Nas rimas de sua canção,
no doce de sua apreensão,
na lira de sua tensão.

No amor que cantas,
na sua hispânica melodia,
no balanço das suas ondas,
na solidão de suas ilhas,

Espelho que reflete a alma,
e que me encontro.
nesse mar, nesse amar,
nessa maré!

Enquanto segue a barcarola,
enquanto observo a sua orla,
aborto na beleza
de seu poema.
a vida
em sua poesia,
Rema!

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Nouvelle Lune

Quando te vejo tão lua,
Quando te desejo tão nua,
Quando te faço tão nova,

Quando te verso em trova.
Em cantigas medievais,
Em liras tão provençais.

Vejo-te estreita,
Nem por isso
Menos perfeita.

Brilhas tão fina
Mas teu brilho
Ainda ilumina.

As noites tão minhas
Com suas linhas
Tênues.

Iluminas românticos
Festas e cânticos
Doces encantos.

Ainda que nova
Em quartos crescentes,
desejos latentes.

Torna-se plena
Em breve,
Cheia!

E mesmo que novo,
ainda assim, festejo
ainda é o ensejo,
ainda a sorte
de um realejo.

E assim, num lampejo
Assim, na lua que vejo
Assim, no novo que desejo
Antevejo.

A noite em que tão cheia, raia,
O amarelo que ilumina a praia
A menina que sua dança ensaia.

Voltas à primeira vez
A mácula que se desfez
Ao desejo que se refez.

Giro completo,
nesse semanário,
meu imaginário.

E giras,
és cheia, és sangue na veia,
és minguante, és o momento delirante,
és crescente, és um peito que sente,
és mimo, és carícias, és prova.
Lua nova!









segunda-feira, 1 de julho de 2013

Inverno

Lutei contra o inverno e ele veio.
Quando antevi minha primavera,
Quando te vi nessa quimera,
Quando manuscrevi essa ideia
As noites frias eram certezas longínquas.

Mas ele veio!
Tantos poemas de estações!
E em nenhum deles
Vi nossos verões emocionais,
Nossas noites tão passionais
Nossos desejos tão reais.
Nosso instante fulgáz.

Veio o frio, assim como
nas manhãs de maio.
Veio junho,
Passou feito um raio.
Que virá depois?
O que prevê esse tempo?
O que realiza esse intento?

Uma borboleta voa,
Alegrando auroras frias,
e intensos crepúsculos.
Sem o peso do passado,
sem medo do ocaso,
sabendo que o julho traçado
já vem, e o inesperado
anuncia doce chegada.

Pois é inverno!
Mas não dias de lágrimas,
não são noites acordadas,
não são horas arrastadas.
Não é tempo de ilusão.

É inverno!
Mas não são dias de chuva,
Não são dias de dúvida,
apenas reclusão.
São dias de seu vazio,
mas não de solidão.

Não fosse a temperatura,
Fosse só essa loucura,
Fosse apenas ternura,
Fosse a flor de formosura,
que hoje ganha essa canção.
Nem diria que é inverno,
Nesse tempo de verão!









terça-feira, 18 de junho de 2013

Baú

Que segredo esconde
esse cofre cerrado?
Que segredo abre
esse cadeado?
Que linha tão tênue
borda o passado?

Uma árvore lembra
o salgueiro que chora
nos meus livros de bruxos.
Sonhos tão meninos!
Travessuras do destino!

Agora uma porta cerrada.
Outrora, tão enfeitada
Como as casas de bonecas.
Não conheço,
Mas assim vejo.

Quantos sonos velados,
quantos terços rezados,
quanto pranto silenciado,
quanto pano bordado,
quanto amor revelado,
de forma singela,
retratado.

O que guarda esse baú?
As lembranças das crianças,
as tamanhas esperanças,
o inevitável e sua fiança.
uma vida de aliança,
um sangue e sua herança.

O que guarda essa caixinha?
Uma doce bailarina,
nessa dança de menina,
em música tão doce e fina.
Guarda preciosa joia
Guarda a pérola mais rara
Guarda um pouco de vanguarda
Guarda o tempo e sua saudade
Guarda a felicidade!

terça-feira, 11 de junho de 2013

Malabarista

E no picadeiro faz-se a luz!
Surge a estrela,
em vestes de festa,
em noites como esta,
dia a dia,
semana a semana,
ano a ano,
sempre atrás do pano,
sempre o mesmo engano,
quiçá de uma vida.

O que busca é o equilíbrio,
entre tantos instrumentos,
entre tantos lamentos,
entre tanta oscilação.

Os seus amores são seus pratos,
alguns tão baratos,
outros de vidros que duram,
alguns em plástico vil,
e um nobre porcelana.

Todos no alto,
Tomados de assalto,
por esse travesso,
e sua vida ao avesso,
e as suas travessas,
sempre em suspensão.
Corre,arrisca-se,
precisa mantê-las.
No ar,
sem os pés no chão.

Só assim, 
distrai-se,
Só assim
compraz-se
Só assim
refaz-se 
do que passara.

O lembrança de outrora,
O medo de nova aurora,
A queda que o apavora,
Precisam também do ar.

E lá estão eles,
pratos, pires, travessas,
meninas tão travessas,
que insistem no desequilíbrio
insistem em ameaçar, 
insistem em fazer lembrar.

Que o que queda
é ele mesmo,
junto com o seu prato, 
junto com seu coração lasso,
junto com aquele baço,
que o primeiro erro deixou.

Queda a cada segundo,
queda e faz-se caco,
revela-se fraco,
revela-se o asco.
Queda a cada queda,
que não realiza,
a cada sonho 
que não eterniza,
a cada solo irregular
que não pisa.

Queda e não se resolve
Queda e não absolve
A sua grande culpa,
de no primeiro espetáculo,
sair sem seu aplauso.
Não cata o que sobra,
não sente e não se desdobra.
não vê que público cobra.
não acaba a sua obra.

E segue, absorto,
em fazer do prato morto
seu referencial.
E segue, triste e roto,
com seu estranho retrato,
querendo em todo prato,
farta refeição.

E seu eterno movimento,
transforma-se em triste lamento,
daquela que lá de cima,
a porcelana mais fina,
da corda bamba o examina.
Ingênua bailarina!




domingo, 9 de junho de 2013

Intervalo

É tão claro,
Como a água que escorre.
é quente, é frio,
é arrepio.

não há o que revelar,
nesse dizer velado
nesse viver calado,
nessa interpretação.

e o intervalo?
de que importa?

Importante mesmo
é o tempo regulamentar
são as regras do jogo
é o resultado final

Não há juiz,
só uma aprendiz,
só um que diz
para que eu não diga.

Importa o contraste
da minha branca tez
da minha embriaguez

Com seu escuro,
com seu obscuro,
com seu ébrio.

Importa a sua resistência,
importa a minha paciência.
importa a nossa indecência.

Importa o trancar da porta,
as quatro paredes,
e os tantos desejos.

Importa a loucura,
importa a doçura
importam seus beijos.

O seu oásis,
o nosso tempo
que relógios não medem.

De resto é só possibilidade.
De resto é só sua verdade.
De resto, só curiosidade.

Mas esta, você detesta!
Então o que me resta.
É somente calar.

E é quando mais falo,
nessas horas que me calo
e deixo a razão esvaziar.

E é quando mais calo,
nessas horas em que falo,
aquilo que não sei precisar.





quarta-feira, 5 de junho de 2013

Acorde

Outrora disse sim
Outrossim, digo novamente
O mesmo sim,
de modo inverso.

O mesmo gesto que une
Acorda o desacordo
Para que acorde nova vida
Para que acorde em novos sonhos
Para que soe novo acorde.

A cor de um sentimento
que se fez cinza
e já não sabe de cor
o lamento,
o intento,
o invento,
o tempo do outro.

Assino o que desfaz
O que refaz, o que apraz
O que retorna,
O que conforma,
O que contorna,
O que torna novo,
Aquele velho ser.

Sem resquícios de mágoas,
O reinício.

O que se faz em laço,
O que se aliançou,
Não mais se fia,
Rompeu-se a fita,
Desfez-se o nós.

Agora, novamente eu,
Um ser inteiramente meu.
Uma só carne
que desencarna,
Para encarnarem novas almas.

De dois
que já não sabem mais
ser par
E que separam
O conjugado,
É tempo passado.
Mais que perfeito
Mas foi desfeito.

Em verso,
coloco o reverso,
em verso, expresso,
em vez do sim,
a hora do não,
que se fez solenemente,
Em verso, estão.
Só não mais são.

Separação.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Nua e crua

Nua e crua
a tal verdade que propaga

Casca dura
Velhos clichês

O que esperar?
Como proceder?

O príncipe em lista
de critérios incertos

Um a dez,
todos marcados.

Gestos traçados,
Diálogos ensaiados.

Homem e mulher retratados
Num plano determinado.

Deu tudo errado!
Saiu do planejado.

Num voo de balão
Veio a revelação

Que é nua e crua
Mas não se anula

E por mais que doa
Nunca é a toa

E mesmo que mande a razão
A verdade mesmo,

Em Hollywoood
Ou no Japão,

Na princesinha
Ou no durão,

é que ela
sempre cede ao coração!



terça-feira, 28 de maio de 2013

Sentença

Não há nada a dizer,
Pois, simplesmente, não há nada.
A espada da culpa não vai me ferir,
Os loucos do amor irão me banir.
Não há crime!
Pra que condenação?
Seus arroubos, seu jeito tolo,
Me pedem o que não sou.
Sua bateria não tem minha energia,
Seu som não movimenta meus pés.
Meus pés!
Não se levantam,
Não levitam,
Não se precipitam em sua direção.
De quem é a culpa?
Pedido de desculpa?
Discutir o quê?
Argumentar pra quê?
Por quê?
Um quê de mágoa despeja de seus olhos,
Minha sanidade transborda por meus poros,
Me gasto, me exponho, me ponho
Naquilo que não quero.
E assim eu espero,
um quê de compreensão.
Por ora, nada de palavras que rimem com céu,
Nada de relentos, nada de talentos,
Nada de nada.
Palavra final, sentença dada!


sábado, 25 de maio de 2013

Trago

O que trago é apenas um trago,
Aprisionado, entalado, enlatado,
Em latidos e grunhidos que não grito
Em contas que não cobro,
Nos joelhos que não dobro.
A sensação estanque de que o tempo
Ora tange, ora range
Ora para.

Contemplo a ressaca.
O que ela revira é a minha ira,
Minha ferida exposta,
É aquilo que  a plateia gosta.
Meu riso, meus batons, meus perfumes,
Agora desbotam em cima da estante.
E é assim que me contemplam.
Assim que me veneram
Assim que me esperam.

Enquanto a onda leva
Meu sopro de esperança.
Enquanto fico aqui,
Nesse meu eterno vício
Em “meu pouco de desperdício”,
Tentando um reinício,
Que gira feito elipse
E sempre volta.

Por uma estrada torta,
Onde, repousa, morta,
O que nem sei dizer.
Porque o que trago,
É apenas esse trago,
É apenas o estrago,
Dos cigarros que não fumo,
Dos caminhos que não rumo
Dos amores que não consumo
Do barco e sua falta de prumo.
Da vida que não resumo,

Na palavra que não mais rima.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Onde dormem as rainhas

Deve haver um lindo lugar
Onde dormem as rainhas
Onde repousam de seu pouso
Do voo de volta à sua glória.

Deve haver um leito manso,
Onde dormem as rainhas
Pronto para tal descanso,
Justo e tão esperado.

Não essas que em ouro se banham,
Mas aquelas, rainhas de suas vidas,
de histórias tão sofridas,
de mãos calejadas,
de lenços que se fazem em coroa.

Essas rainhas anciãs,
que nada mais anseiam,
senhoras do tempo e de quintais,
de quaradouros e varais,
que dão comidas aos animais,
que colhem guando e plantam bananais.

Rainhas de vida e morte,
vivem o destino e sua sorte,
são braços e coração fortes,
são bússolas, indicam o norte.

Ah! Esse lugar existe,
Onde sentam e descansam,
trocam receitas e proseiam,
fazem poemas em sábio conselhos,
comem broa e café,
Onde mantêm-se de pé,
apesar dos ombros cansados.

Lugar de quermesses e fogueiras,
de cigarros de palha, seresta,
lugar de alegria e festa
ao lado do Rei dos reis
De onde ditam as leis
Das lavanderias e das cozinhas,
Das camas prontas e arrumadas,
da roupa limpa e passada,
da vida e sua toada.

Lugar de remanso e águas claras
Lugar de rezar ladainhas
Lugar de bordados e linhas
Lugar de coloridas florezinhas
Onde dormem as rainhas.


terça-feira, 21 de maio de 2013

O bicho

Que bicho é esse
que me consome?
Não tem forma,
não tem nome
Será azia,
Melancolia,
Nostalgia.

Será o medo,
e seus mil enredos,
será segredo,
é tarde ou cedo?
Por que não vejo?

Alguém debocha,
Ri, gargalha,
Me mostra na cara
Me fere a navalha.

A inevitável hora aproxima.
Quero colo!
Mas é justamente ele
que me está sendo levado,
será velado,
sacramentado,
lacrado.

E eu?
E o bicho?
Como acabar?
Como findar?
Como me fincar?
Como me sustentar?
Como não quedar?

Sem a mão amiga,
sem a tarde quente.
sem o gosto aparente,
dessa vida remida.
Que insiste na ida.
que anuncia partida
se vá, minha querida!

Me deixe aqui,
Com o pulso forte,
com horror da morte,
com o fim do norte,
com seu  "-juízo!",
que tanto preciso.
com o amargo,o estrago,
o podre, o perene
me deixe surdo o ouvido,
nesse dia temido.

Ficamos eu,
e as lembranças,
as esperanças,
as imagens de criança,
a vida e sua dança,
a dor e sua lança,
as folhas de um longo outono,
a embriaguez, o sono
a conta que nunca abono,
o luxo e seu inevitável lixo.
Ficamos eu, e o bicho!



segunda-feira, 20 de maio de 2013

A deusa coroada

É com um grito na alma que cerro mais um livro. Não um livro qualquer, definitivamente. Um misto de lágrimas, uma certa gargalhada, um cheiro, um abraço, uma veneração à quatrocentas e poucas páginas revestidas por uma capa, onde se vêem cartas antigas amarradas num barbante vermelho. Uma história, uma catarse. Nada mais será como antes, depois de "O amor nos tempos do cólera". Uma história de amor, ao meu ver, mais bela que a de Shakespeare, que traz a morte como redenção. Aqui, Gabriel Garcia Marquez não coloca redenções para o amor: o amor não se redime, assim como a vida e o destino, que por vezes colocam-nos em labirintos e outras, em largos caminhos retos.

Florentino Ariza e Fermina Daza são personagens complexas, extremas, carregadas de uma humanidade fora do comum. São protagonistas e antagonistas do mesmo sentimento, ainda que esse seja um grande paradoxo. Não são brigas familiares, circunstâncias do destino, ou qualquer outro fator externo que impedem a realização do amor. É o próprio amor, contrariado, contrariante, conflitante, dividido, passional, racional e quantos adjetivos mais forem necessários para se descrever o que simplesmente não se define. É tudo amor, em sua essência, ainda que esse não seja o esperado, o desejado, o preterido, o preferido. Fazendo uma análise superficial, o casal representa duas faces de um mesma sensação. Faces essas que permeiam as relações de todos, que ora são a paixão sem freio e delirante de Florentino, ora a razão de Fermina. 

Outra feliz surpresa desse livro, é a descoberta de uma personagem. Sem dúvidas, Fermina Daza é, e creio que será para sempre, a "pessoa" mais fantástica que já li. Florentino se revela ao todo, se entrega, e é entregue a nós pelo narrador. É "todo amor", é um pobre homem, um vivente à sombra de um paixão de 50 anos, 9 meses e 4 dias. É ele a sombra de um sol configurado numa mulher, pois era apenas isso que Fermina era: MULHER. Dessas de carne, osso, qualidades e defeitos, muitos defeitos. Recusou o título de "deusa coroada", para ser uma escrava de sua existência matrimonial, de sua rotina, de uma vida talvez melancólica, mas de verdade. Fermina era firme, com o perdão do trocadilho. Firme em ser, em realizar, em desfilar com seu jeito particular, que um posto de deusa não permitiria.

Por um momento eu quis matá-la. A odiei com toda a força da minha alma. Mas ela é apaixonante, com seu jeito por vezes ríspido de lidar com o amor, com seu estilo irreverente de encher baús de cacarecos e animais exóticos, com sua postura social ensaiada, seu jeito peculiar de se esconder no banheiro para fumar, seu jeito nem um pouco semelhante ao de uma deusa. Fosse ela coroada, poderia desfrutar da vida que teve ?  Fosse ela endeusada, poderia ser essa leviana a alguns olhos mais idealizadores do amor? Fosse ela revestida de rainha, poderia amar nesse jeito todo dela, mas que nem por isso deixa um instante de ser amor? São perguntas que ficarão sem respostas, pois numa obra de ficção não há espaços para hipóteses. Além disso, a construção da personagem não permite muitas conclusões e pouco se sabe de seus pensamentos e sentimentos. Talvez porque esses sejam simplesmente simples, diferentes do ideal de sentimento que carregamos desde a infância, por causa dos contos de fadas. 

Não há príncipes e princesas nessa história de amor. Apenas um sujeito taciturno, numa vida de surdina, que em nada se compara à imagem romântica dos protagonistas de histórias de amor; e essa pérola dentro da ostra, que carrega uma preciosidade impar, alheia aos desígnios da paixão, mas não ao amor. E a vida é exatamente isso: amores que não se realizam, que matam, que morrem, que duram um dia, que duram a vida inteira, de acordo a experiência de cada um. O amor não é esse teatro ensaiado, onde beijos são transformadores de personalidades, em que todos são felizes no final. A felicidade do amor se constrói diariamente, em pequenas doses até mesmo de conflitos, assim como no casamento de Fermina. A felicidade do amor pode ser construída no jeito peculiar de Florentino, que amou apenas uma, mas ao mesmo tempo amou tantas e de diversos modos. 

A genialidade desse escritor se configura cada vez mais. Se em "Cem anos", vivi momentos de magia, aqui fui transportada para um universo de paixão, de algo que queima, que arrebata, que consome. "Os sintomas do amor são os mesmos do cólera!" Vivi dias de intenso cólera! Apaixonante cólera. Tão apaixonante ao ponto de quase me fazer erguer a bandeira amarela e ficar à deriva nesse delicioso mar, assim como os navios à época das epidemias. Mas, terminei a viagem. Com um grito na alma, cerrei mais um livro. Fantástico! Surpreendente! Encantada e "com a surpresa (nem tão) tardia de que é a vida, mais que a morte, a que não tem limites!"

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A neurema

A neura
O aneurisma
O telefonema.
A neurema.

Dorme em leito forte
De jacarandá,
Com sangue escravo.
Gera protagonista
De uma grande comédia.

Um quê de riso
Que gera histórias
Tarde de glórias,
Em horas que passam
Mas não se percebe.

Fez-se história
Inventou personagens
Criados, revelados,montados,
Engraçados,
Traçados a inúmeras mãos.
Mãos fraternas,
Liga eterna de um sangue
Que só fez gente porreta!

E a história,
Dá uma novela,
Melhor que esta,
Talvez até que aquela.
De uma paranoia,
Telefonada por uma lambisgoia
E o seu provável fruto.

E aquela que ali anda
Com saia de cigana...
Espera!
Quem é aquela?
Que nome será que revela?
Será Flor, será Rosa,
Quem é aquela, toda prosa
Que num espelho eu já vi?
Se eu não estivesse aqui,
Diria que era eu passando ali!

terça-feira, 14 de maio de 2013

Casulo

Pode a borboleta
verter-se em casulo?
Fechar as asas,
tornar-se cinza,
Sem cor, sem luz, sem voo?

Espremida, sem vida,
Sua essência banida,
simplesmente,
Em não ser.
Parada, congelada,
fadada ao nada.

O casulo cerrado,
O trânsito engarrafado,
O sinal fechado.
O tom manchado,
Por um viver calado.

Sem voz,
sem luz,
sem movimento.

Essa trama a prende,
Sufoca, mastiga,
Quer sair, quer vida!

E, assim,
sem perceber,
fio a fio,
a casca se desfaz
em nuvem.
evapora.

E ela,
que pusera tudo
que vivera o mudo,
em um grito agudo,
revela em desnudo,
o que não lhe abriga.

Pode a borboleta
ser um casulo?
os minutos correram
os invernos passaram
o interstício,
o vício,
o reinício.
em um relance,
se lança.

E assim, asa por asa,
Volta ao voo,
ainda que lenta,
de volta pra Casa.



segunda-feira, 13 de maio de 2013

Melhor? Só o céu!

Onde a lua cheia clareia o velho mar,
Vê-se gaivota a mergulhar,
E assim, sem peixes voltar,
O povo põe-se a vaiar.

Onde a mãe, com seus remédios,
Está posta no altar,
Onde o povo no meio da rua,
Sem medo põe-se a andar.

Ali, no vilarejo dos sonhos,
Onde tudo parece ilusão,
Cada causo, cada conto,
É alento ao coração.

Na cidade onde todo mundo,
É sempre de alguém,
Perde-se amigos, mas nunca a piada,
E nessa não se perdoa ninguém.

É ali onde Deus desenhou,
Mar, sol, suor, sal, tradição,
Brigas, rachas, dialetos,
Pesca, barcos, sonhos, coração.

Espelho d'água, ressurgência,
Da Praia Grande ao Pontal,
De belezas e "singelezas"
Se faz intrépido arraial.

Sábio era mesmo aquele,
que vivia a bradar ao léu,
Melhor que o Cabo?
Ah... melhor mesmo, só o céu.

sábado, 11 de maio de 2013

Festa

E numa noite tão comum,
Em que somos bem mais que um,
Somos vários, meros operários
Da vida, do tempo, do vento
Sentados a um certo relento,
à mercê de inusitados eventos,
De um pássaro meio desatento
Lá estão eles!

Um bando!
Em quantos fomos?
Em sete.
Sete?
Será que essa conta está certa?
Será possível bater essa meta?
Ah! não meta essa!!!
Conte mais uma,
E outra, e aquela
Comemorando nova primavera
De pessoa tão singela!

Risos, histórias, risos, memórias
Risos, risos, risos,
Até a barriga doer,
Até a lágrima descer,
Até o copo encher,
Até a gente perceber,
O raiar da hora.

Histórias impublicáveis,
Em riscos, rabiscos,
Me arrisco a afirmar
Que certas contas não batem
Que certos atos não se calam
Que certos medos não se eternizam.
Que certos éramos nós,
Sem medo da correnteza,
Sentados, assim, à mesa,
Sem pudor, sem delicadeza,
Comemorando, dela e nossa,
A vida e sua beleza!




terça-feira, 7 de maio de 2013

Manhãs de maio

O outono chega,
E com ele as manhãs gélidas de maio.
Parecem dias invernais,
De chuva e nublado.
As borboletas deixam cinzas os jardins.
Não há perfume de rosas,
Não há jasmins,
Apenas o acre do feijão
esquecido de outrora.
As roupas que não se passam
Os pós que não se retiram.
Envelhecem os dias,
Como que caducando os minutos
Até que virem segundos,
até não virarem mais nada.
Em meio ao frio,
O riso impávido,
Imperdoável
Da hora anunciada.
Porém nunca acreditada.
A alma gela,
A vida congela
Preservada em memórias.
Em tempos de glória,
de crianças que corriam,
de quintais que se faziam
de risos, de brincadeiras.
Acabou-se na poeira,
E em alguma terça-feira,
Ou qualquer data traiçoeira
Chega a hora derradeira.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Dom

Atravessas no bonde.
Vais pra onde?
Com seu jeito casmurro
Sua cara torcida
Sua visão de vida
Só caminho de ida
Que já não tem mais volta.

O menino está morto!
O caminho foi torto,
E segues, absorto
Em lembranças difusas,
Confusas, fundidas
Num mundo de idas.

Não voltas
Pois a sua guia, sua bússola
Encontra-se enterrada,
Rasgada, mal falada
na língua ferina do povo.

A fruta na semente
O capítulo aparente
A menina irreverente
Seu ciúme inconsequente.
A dor da viúva latente.
A flecha no peito ardente.

O que sentes?
Agora, mais nada
Vives de fachada,
Numa casa marcada
Reconstruída em vão.

E a sua cigana,
Poetisa e profana,
Ingênua, insana
Foi-se na ressaca
Foi-se na onda vaga.

Foi-se o olhar que atraia.
Será que esse mesmo traia?
Ou seria pura ironia?
Ou será dura tirania?
Ninguém sabia.
Ninguém saberá!

O que sabe um sentimento ferido?
O que pensa um louco varrido?
O que pode um menino fingido?
O que vive um padre banido?

O que dizes é vão,
O que sentes, então?
O que narras é o não!
E esse meu verso breve
é apenas um desejo
De que a terra lhe seja leve!








domingo, 21 de abril de 2013

Nove

Nove anos
Novos sonhos
Novos planos.
Nove ilhas
Sem fantasia
Sem heresia
Nove luas
Nove meses
Tantos planos
Tantas vezes!
Primo
Ímpar
Não une um par
Na mesa de bar
Brindo ao nove.
E ao novo,
Inove!
Renove!
Noves fora.
Zero!
Revelo
Intero
Mais um...
Nota dez!

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Descoberto desnudo

Uma vez, um poeta já disse
Que se um dia de sol fosse
Seria o outro descoberto.
Aquele europeu, muito esperto
É que seria desnudado.

Vieram com barcos e interesses,
Com contas, terços e preces,
Montaram uma quermesse
Onde vendem-se almas!

Trocaram ouro por banana,
Posaram de gente bacana,
Ofereceram maquiagem.
Que viagem!
Que sacanagem!

No espelho vê-se a ilusão,
Do nativo e seu coração
Que, na história desta nação
Ganharam apenas este dia!
A suposta verdade e sua tirania
Nosso olhar tantas vezes desvia.

E aquele que aqui havia
Aquele que de sol vivia
Aquele que amar sabia
Aquele que, como um bem, valia
É apenas mais uma etnia
Nessa terra "mui graciosa"
Onde impera a putaria!

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Outra face de um poema

Será que tens sete faces,
Sete meios,
Sete anseios?

O que vives de fato?
Olho o retrato
De um gauche
Sempre à espreita
Negando a direita
Maneira de viver.

Olhas o bonde,
As pernas pretas
As penas sujeitas
Mas elas não são suas!

O que fazes?
O conhaque,
O porre
A amnésia.
Simples estratégia
De simplesmente não ver.

Então não veja,
Talvez não seja.
Te falta certeza
De tardes azuis.

Um som de blues
Comovente como a lua
Uma cara dura
Franzina como a sua.

Olhas o mundo,
Seu tamanho, seu valor,
Não é mera questão de rima.
Quiçá nem seja solução!
O mundo, meu caro,
Raimundo,
É somente o seu coração!


terça-feira, 9 de abril de 2013

Perene ser

E a voz calada,
de um silêncio velado,
Inexato
Inesperado
Cala-se.

Deixa mudos
Ouvidos surdos
Pranto duro
Noite traiçoeira.

Cala-se a voz que não fala
Cerra-se o olho que não mais vê.
Foi-se aquele que crê.

Porta trancada,
Tampa abaixada
Lágrima contida.

Início ou fim da vida?
Fortaleza ruída
Calou-se na dor.

O que era tão frágil
Encontrou melhor maneira
De endurecer.
De perene ser.
De apenas ser.

Eternamente, ser!

terça-feira, 2 de abril de 2013

Abril

Abril,
Abrem-se temporadas
De tempos de estio.

Rio.
Riso seco,
Brisa fria.

Secam-se as pereiras
Mostram-se cansadas.

Como morrem as árvores?
Acaso já contemplastes
O enterro de uma quimera?
Acaso o outono
É antagonista da primavera?

Manuscrita,
Transcrita
Circunscrita
Dita por essa latente dor.

Estações,
Verões,
Quantos somam?
Como amam!
Como sonham!

Sem saber que a vida,
Desfilou na avenida,
Linda!
A história foi lida,
Caminho de volta e ida.
Missão cumprida!

domingo, 24 de março de 2013

Estrelas mortas

Do que é capaz uma estrela morta?
Do que serve uma esperança torta?
Por que a vida muda sempre de rota?
De onde me virá essa resposta?

Olho estrelas imaginárias
nesse céu de domingo nublado.
Quais foram queimadas,
em verões passados?
Quais se sustentam
nesse céu de tantas estrelas,
que só assim, em vê-las,
não consigo distinguir.

Quantas tarefas,
quantas promessas,
quantas perguntas
e uma única mente
a pensar sobre isso tudo.
Uma só voz,
pra fazer eco em meio ao mudo.

Se uma estrela pudesse dizer,
será que contaria por que suspira?
Se uma estrela pudesse contar,
diria que o que tem a abrir é o coração?
Se pudesse dizer,
clamaria por apenas uma canção?
Se pudesse chorar,
sangraria essa ferida?
Se pudesse não morrer,
faria parte da sua vida?

Do que é capaz uma estrela morta?


terça-feira, 19 de março de 2013

José

E se, na profusão
das horas veladas,
te faltasse até mesmo a pergunta?

E se no calar
da chuva fina e tempo frio
te faltasse até mesmo a voz?

E se no dia
do santo que te carrega o nome
te faltasse até mesmo a dor?

O que farias?

O que farias sem a retórica
do poeta, que te questiona?

O que farias sem a marcha
sem as Minas, sem o pranto?

O que farias sem o doce,
sem o açoite, sem o encanto?

O que farias,
nessas vestes de falso santo?

O que farias,
nesse dia de nublar a alma?

O que farias,
se de repente, te faltasse a calma?

O que farias,
se o som se tornasse mudo?

O que farias,
quando visse a derradeira hora?

O que farias,
sem nem mesmo o "e agora"?


quarta-feira, 13 de março de 2013

E se eu te contasse?

E se eu te contasse
Sem que eu te matasse
Sem que eu morresse
Sem que eu sorvesse
A toxina do rancor.

E se eu te contasse
Que, de outrora, a meninice
Agora, apenas lembrança
Foi-se o tempo de criança
Veio o tempo da razão

E se eu te contasse
Que no calar das horas mortas
As lembranças me confortam
Ainda que espere muito
Ainda que espere mais

E se eu te contasse
Que a pena já foi paga
A réplica realizada
No sentir suave e sereno
Mas que insiste em bater

E se eu te contasse
E se eu te pedisse
E se eu implorasse
E se eu insistisse
E se eu convencesse

E se eu te contasse
Que o que trago aqui
É amor repentino
Mas nem por isso menino
E por isso peço perdão.

E se eu te contasse
Que os versos daquela hora
Nunca fizeram tanto sentido
Ternura, perdão, de repente,
Olhar estático, doçura dos que aceitam

E se eu te contasse
Que sua voz de profeta
Que sua palavra de poeta
Sempre esteve tão certa.
Só eu não quis enxergar.

E se eu te contasse
Em cada verso raso
Em cada passo dado
Em cada pequeno rastro
Em cada breve pulsar

Mas acontece que não conto
Acontece que não encontro
Jeito, meio, modo, encanto
E assim saber como seria,
Se, um dia, eu te contasse.






terça-feira, 12 de março de 2013

Terminal II*

*Poema rabiscado em guardanapos de papel, de uma mesma lanchonete do Terminal Rodoviário de Niterói, em 11\03\2013


É de voltar mais uma vez,
É de esperar tudo de novo,
É de estar no mesmo lugar,
Que se termina.

Onde termina a esquina do amor?
Onde ela esbarra nos cruzamentos da dor?
Onde ela fica, onde começa?
Onde? Em asfaltos, em carros, em frenesis
Em meio aos pontos, às conversas
Às tardes adversas
Em que terminávamos sempre
Nossos sonhos, à beira mar.

Mar de lamas,
Nossa cama,
Nosso lar.
Desmorona no tempo
Na falta de zelo
Na falta de amar.

O que esperava,
Veio, assim de surpresa
Terminastes aquela canção?
Terminei com tanta interrogação?
O jogo acaba quando termina
E o novo, assim, descortina.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Pronomes

Mudo o nome!
Era eu,
Virou breu.
Virou cinza, pó.

Nós?
Eu + você?
Atados, amarrados
Separados
No descortinar das horas.

À espera de ti
A procura de mim
Seguimos assim
Sem ter onde ir.

O mesmo lamento
Mudou o tempo
Virou conjugação.

De penas, de prantos
Uns, poucos, tantos
Indefinidos em matéria de existir.

Cujas vidas se desatam
E atam.
E matam
um ao outro
E vivem sós.

O que é o nome?
Palavra estática
Não diz, dentre tantas,
aquela que rima com dor.

Espero verbos
Ação, fenômenos
Fazer, acontecer, trovejar,
Naufragar,

Em nós mal dados
Presos ao passado
Nada falado,
Tudo entendido.




sábado, 2 de março de 2013

O inesquecível disco vermelho





Em 1994, tinha apenas 12 anos. Em 1994, estava na antiga sexta série. Em 1994, ainda não tinha dado meu primeiro beijo. Em 1994, crescia ouvindo músicas aos sábados, na hora das faxinas ou dos almoços no quintal, em família.. Em 1994 ainda ouviam-se LPs, em vitrolas conduzidas por agulhas que a gente soprava pra tirar a poeira e as músicas não ficarem pulando. E ainda medíamos milimetricamente a direção da mesma, para cair certinho na faixa escolhida. Em 1994, as músicas de um disco dividiam-se em as do lado A e as do lado B.  Em 1994, meu pai comprou um disco.

E, foi ali, em 1994, que conheci o profeta. Por causa desse disco, que era o registro de um show ao vivo, meu pai dizia: "Gilberto Gil é um profeta!". Na ocasião, acreditava ser essa mais uma das viagens de meu pai. Mas de uma coisa eu tinha certeza: gostava daquelas músicas. Minha bagagem cultural ainda resumia-se a uma pequena bolsa de mão, mas as canções foram colocadas ali. Entre flanelas e vassouras, entre conversas de churrascos, elas iam, uma a uma, internalizando em mim. Ficaram ali guardadas. E o disco, cuja a capa era branca, mas tinha uma arte em que predominava o vermelho, foi entrando na minha lista de favoritos. O inesquecível disco vermelho!

Passaram-se quase vinte anos. Mas ainda hoje as músicas pulsam em meu coração. Inesquecíveis, todas elas. E Gil, com seu jeito que Deus deu, como a todo menino baiano, tornou-se um de meus artistas preferidos. Ele é profeta, com sua capacidade de anunciar boas novas, em forma de letra e música, de poesia, de afago. É voz que clama, talvez em deserto. Voz doce, voz bárbara, que, de uma certa forma, traz  a paz em pequenas frações de minutos de lindos acordes. Hoje compreendo as palavras de meu pai. 

Hoje, não se vêem mais vitrolas. E o disco vermelho tornou-se um depósito de poeira de uma casa decadente. Nesse espaço de tempo, procurei por ele. A cada ida a uma loja, meus olhos percorriam as prateleiras cheias de canções vazias. Quase um garimpo, que trazia, na peneira, algumas obras muito boas, mas nunca ela. Com o tempo, acabei me esquecendo do disco. Não das músicas, apenas da compilação delas em uma única obra.

Mas o tempo é rei, e sempre nos lembra o que queremos esquecer, mas também dá um jeito de trazer boas lembranças. Numa inusitada conversa, quase ao raiar do dia, conversa de bêbados sóbrios, inebriados por uma saudade, por afinidades, por risos despretensiosos, a lembrança veio. Cantarolada, numa singela música, de forma doce. E depois, canção por canção, foram invadindo a minha memória, junto com a lembrança da procura e da vontade de ter o disco.

E garimpei novamente, agora com sucesso! Junto de Gil, ainda vieram os outros doces bárbaros, em álbuns que também não se acham em bancas de camelô com tanto sucesso. Mas que conseguem fazer essa difícil busca valer muito à pena. O "Unplugged" finalmente de volta aos meus ouvidos! Entre flanelas e vassouras, entre conversas de churrascos, agora já internalizadas, as canções vão fazer minha vida um pouco mais feliz.

Gil, com suas músicas de profeta, sua alma cheirando a talco, suas metáforas, jogo de palavras e retóricas, sua sede que pede, lindamente um copo d´água, conseguiu reunir em pouco mais de uma hora, o sentimento de uma vida inteira! E o inesquecível disco vermelho agora se apresenta na minha TV, agora também em imagem, com uma qualidade um pouco duvidosa, devido ao tempo. Mas as canções... Ah, as canções! Os mesmos acordes, a mesma sequência, o mesmo pulsar no meu peito de, outrora broto, agora flor desabrochada. O mesmo movimento oscilante, de um lado pro outro, ritmado de acordo com a música. O mesmo cantar, acompanhando cada letra, de um jeito meio desafinado. A mesma tentativa de assobio, para acompanhar o solo de "Esotérico", que para mim, é uma das melhores músicas desse disco, cheio de melhores músicas.

Só me resta agradecer a Gil por ter feito essa maravilha, por ser essa voz das multidões, essa voz de cada um e todos, de si mesmo e de muitos. A meu pai, por, em 1994, ter comprado aquele disco e ouvi-lo de forma incessante. À procura sem sucesso, que me fez valorizar ainda mais o feito, depois de conseguido. Ao bom papo, que me trouxe a lembrança do disco e me fez procurá-lo novamente, e encontrar até bem fácil, junto com alguns outros tesouros. Com certeza, "a paz invadiu o meu coração", com a chegada do inesquecível disco vermelho.



quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Terminal *

* Poema rabiscado em guardanapos de uma lanchonete, em 13/09/2012, no Terminal Rodoviário de Niterói-RJ

Mesmo caminho de outrora,
mesmas ruas, mesmo frenesi.
Gente, carros, faróis, pressas.
Cidade! Urbanização! Asfalto!

Como não doer o coração?
Como dar vez à razão?
Como não lembrar?
Como impedir a ferida de sangrar?

Memória, eterna inimiga!
Sem ela, sem vida
Sem ela, mesmo engano
Sem ela, mesmos erros.

É de fazer doer tanto,
Que traz o fim do encanto.
É de escolher não mais o pranto,
Que digo, meio tonta

Dói! Muito, imenso, intenso
E é assim que penso
Nunca mais me deixar morrer!
Deixar cicatrizar, deixar doer!

Deixar latejar,
Sem pressa,
Sem remédios, sem droga
Até que um dia sare.

Como diria o poeta,
Pode ser que seja amanhã.
Enquanto espero, plácida,
O novo, nesse terminal.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Ledo engano

Atiro no escuro.

Acertei?
Qual o alvo?
Qual a mira?
Atingi?

Entendi.
Me calei.
Sem resposta.

Entendeste?

Não! Não é esse o pano de fundo.
Minha história é do imundo.
De quem?
Não pra você, meu bem!

Ditos, não ditos
Várias interpretações.
Novas ações.
Outros planos.

Ledo engano!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Esconderijo

Por que se escondes?
Do que tens medo?
Acaso o que vives é segredo?

Onde guardastes a ousadia?
Atrás de portas e janelas?
Por entre becos e vielas?

Não tiveste tanta coragem?
Não foste capaz de tudo?
Por que agora o gesto mudo?

Se és capaz de tanto
Onde está o teu encanto?
Guardou-o em um canto?

O que levas é apenas resto,
Não há nem mesmo troca ou devolução.
Apenas produto em liquidação.

Liquidou-se no tempo
Liquidou-se nas horas
No fim dos dias, nas tristes auroras.

O esconderijo agora?
O que levas é uma vida torta?
Não ousas bater à minha porta?

Sábio ditado sobre o temor
Das dívidas, das dúvidas.
Se não as tens, não há pavor!




segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Habemus Papam?

Hoje, pela manhã, o mundo foi surpreendido pela renúncia do Papa Bento XVI. Sob uma forte carga de matérias, discussões, susto, indignação, o fato foi noticiado e, ao que parece, ainda assim, não vai ter retorno. Não me impressiona, não me choca, não me alardeia, mesmo que seja esse o cargo mais importante da Igreja Católica. Talvez tal gesto represente uma crise na tão soberana instituição . Penso, então, que algumas considerações devem ser feitas a respeito desse tema.

A primeira delas diz respeito a necessidade de todo o ser humano, vivo sob essa terra, de descanso. Realmente a idade chega a todos, e o corpo não é mais o mesmo. Embora seja uma escolha de vida, é esse homem apenas um homem, que não possui poderes divinos para extinguir de si mesmo as dores nas joelhos, a falta de ar, e a incapacidade de permanecer em um cargo de suma importância. Posição essa que exige mais que boa vontade e vocação, pede força física e mental, para enfrentar viagens, eventos grandiosos,críticas severas. 

Outra consideração importante é que a sociedade, ao que parece, enxerga essa renúncia como se ele fosse Deus desistindo de ser Deus. Povo insano! Não é a Igreja maior que o seu Senhor! Não é a cadeira de Pedro mais importante que o poder divino, a capacidade criadora, a força da fé. Quem ocupa esse lugar, veste-se de luxo e ouro e anda protegido pela mais alta segurança, é muito mais um administrador que um santo. Gerir um cargo que decide os rumos da maior religião do mundo não é passaporte para o céu. É, com certeza, um gesto de renúncia de vida, mas foi feito por um homem, que é tão portador do pecado original quanto qualquer mortal sobre essa terra.

Digno foi esse homem, que teve coragem de dizer que não suporta, reconhecer sua condição frágil de não poder sequer fazer o mais importante de sua missão: pregar o evangelho. Deixar a posição para que  seja ocupada por quem tem estrutura de discutir problemas importantes para o mundo, ter clareza para evoluir os pensamentos católicos de sua visão conservadora, e por vezes ignorantes, cativar jovens para a missão da Igreja, o que não vai ser feito por uma figura desgastada e sem carisma. Reconhecer a incapacidade foi um gesto muito nobre, verdadeiramente cristão. 

Cristão, porque se baseia na máxima do Rei dos reis, que é o amor incondicional ao próximo. O que faz Bento XVI senão amar? Amar a sua cadeira a ponto de desligar-se dela pelo bem de todos, de não precisar  de louvores e bajulações, de reconhecer-se fraco, de aceitar as críticas provenientes desse gesto. Cabe à Igreja, agora, a partir desse ato, rever algumas atitudes, aproximar-se mais da realidade do povo, tirar o gesso que a impede de avançar. Cabe, agora, inspirar-se nesse gesto de amor, e passar a amar também um pouco. Amar o pecador, o divorciado, o falido, a mãe solteira, o sexo seguro, o bem comum e trazer os fiéis para o seu seio, parando de jogá-los ao "mundo".

Uma mãe acolhe, abraça, aceita, ainda que com sermões e palmadas. E é disso que o catolicismo precisa. Acolher todos os seus filhos, sem distinção de cor ou condição. Não era essa a prática de Jesus? Andar em meio ao povo, escolhendo como seguidores os cobradores de impostos, os pescadores, as prostitutas. Ele não escolhia amar quem era batizado, quem fez a comunhão, quem frequentava missas. Ele não estabelecia ritos, gestos, dogmas, sacramentos. Ele apenas amava. É isso que falta à religião: menos palavras e mais práticas efetivas de caridade e amor.

Acredito na religião como uma busca do divino que há em nós. Cada um deve frequentar aquela em que essa liga se dá de maneira mais satisfatória, desconsiderando interesses pessoais. Por isso, sou católica, ultimamente meio fajuta. Nunca gostei desse Papa, pois sempre me pareceu frio e sem carisma. Mas, seu último gesto o colocou em minha grande estima. Não que a Igreja, os padres, o Vaticano tenham que atender aos meus interesses pessoais ou de qualquer outro, pois o individualismo é a grande praga da fé. Mas, para mim, ainda que essa seja uma opinião solitária, Joseph Ratzinger merece aplausos. Pela sua coragem que, respeitando as devidas proporções, me lembra Jesus expulsando os vendilhões do templo, e assim, desconstruindo uma falsa imagem da perfeita religião.

Descanse em paz, ainda em vida, Papa! E aos repórteres, curiosos, metidos a opinar sobre tudo (assim como essa que vos fala), só uma coisa precisa ser dita, parafraseando o Mestre: "Aquele que não estiver cansado, que atire a primeira pedra!"


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A dança da Colombina

Nos bailes da vida,
Confete e serpentina
Ela dança,
Linda colombina!

Senhora ingênua,
Tola, apaixonada
Belo vestido,
Cara pintada.

Surge Arlequim,
Ela se entrega.
Findada a dor,
Ela se nega.

Nega seus planos
Esquece seu sonho
Ignora o amor
Do Pierrot risonho.

Passa o tempo
Segue a vida
Desfila sozinha
Vazia avenida!

Mas a dança no baile
Gira, muda e roda
Leva a máscara
Realiza a poda.

Dor, sofrimento
Tristeza, pranto.
Senhor tempo
Trazendo novo encanto!

Refaz a vida
Da doce menina
Que gira feliz,
Luz que ilumina.

Vai Arlequim,
Leva o medo
Vem Pierrot,
Rasga o segredo.

Chora de novo
Não realiza
Vive a dor
Até poetisa!

E o sol nasce
E ela se veste
Despe o antigo
No novo investe.

Quer novos ares,
Resolve não chorar,
Carnaval chega
Põe-se a girar.

E o baile,
Esse eterno senhor,
Traz pra mascarada
Um novo amor.

Tchau, Pierrot
Tchau, Arlequim
Ela agora
Só quer Querubim!

Anjo, menino
Danada tentação
Ocupa seus dias,
Lhe oferece canção.

E os outros dois,
Inimigos, outrora
Choram a moça perdida
O fazem em má hora.

Pois ela,
Nossa bailarina.
Quer apenas o dia
Que se descortina.

Não mais choro,
Não mais pranto.
Apenas a vida
E seu doce encanto.

Quer apenas a marcha
A festa, somente
O desejo da carne
A tentação da serpente.

Quer gozo, quer sorriso
Não mais preocupação
O doce anjo
Não é ilusão.

Não é quimera,
É real
Levou a menina
Com seu toque fatal.

Enquanto aqueles doem
Esse, cura.
Acabaram as lágrimas.
É o fim da agrura!

E nossa menina,
Mulher, agora
Deixou o casulo
Jogou tudo fora.

E pôs se dançar
Linda, pelo salão.
Não mais agonia,
Não mais solidão.

Sabe serena,
Nada mais precisar
E quer, nesse baile,
Apenas dançar!

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Tolo soneto

Não te dedico apenas meu verso.
É pouco! Você merece canção.
Mereces a hora, nova estação.
Tão somente canto no sal submerso.

Tolo soneto, poema adverso.
Rasgado, marcado, enjoado, vão.
Rimas pobres, decompor-se-ão.
Precisas de muito, do universo.

De amigo, cantigas, trovas, jogral.
A ti, Vinicius, não minha voz rasa.
Machado que lenha, molde real.

Quadrinhas, esquemas, arte, sarau.
Forma fixa ou a liberdade da asa,
Voo em letras, não lírica banal.



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Paraíso

Insistente
Latente
Irreverente!

Alcóolico,
Diabólico,
Infernal!

Arcanjo!
Traz a cura,
Batalha dura
Cruza o portal.

O paraíso,
ele disse,
é de quem ousa
é de quem pede
é de quem
atravessa.

a porta
o ponto
a ponte

de quem bate
e entra
de quem sente
e tenta.
de quem vai
e aguenta.

A passagem ao infinito,
ao gozo, ao amor, ao rito,
liberdade, felicidade
sem peso, sem bagagem
só tem um preço.

Coragem!

domingo, 27 de janeiro de 2013

Eu rio

Rio,
Seco de lágrimas,
Seco d'água.

O rio.
Cheio de vida
Cheio, agito.

Doce
que salga no mar
que salga no pranto

Fio
que cursa entre pedras
que cursa o destino

Margem
que beira fertilidade
que beira saudade

Açude
represa de esperança
represa de dor

Seio,
pequena nascente,
se faz afluente.

Rio,
água corrente
força da natureza

Ri o tempo
O rio
Eu rio!

sábado, 26 de janeiro de 2013

O nome da filha ou Cantiga para Maria Luísa


Semente,
Um dia, rebento
Sai de mim para preencher-me
Meu filho com nome de santo!
Lágrima, emoção, encanto,
Amor que nunca imaginara tanto.
Fiquei de canto!

Esquecimento,
Um dia, novo ente.
Mais querido, mais protegido.
Minha filha com nome de luz!
Sorriso que a todos seduz
Amor que na vida conduz
Reluz!

Claridade,
Um dia, nova realidade.
Minha filha com nome de luta!
Dia a dia que transmuta
Com suor, com labuta
Com amor, sabor da fruta
Mais doce!

Alegria,
Um dia, infinita.
Minha filha com nome de divisa!
Marco, limite, poetisa.
Escreve minha história e realiza.
Santo, luz, luta, divisa!
Minha filha com o nome do amor:
Maria Luísa!


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Agora Inês é morta!


"Tu só, tu, puro amor, com força crua
Que os corações humanos tanto obriga, 

Deste causa à molesta morte sua, 
Como se fora pérfida inimiga. 
Se dizem, fero Amor, que a sede tua 
Nem com lágrimas tristes se mitiga, 
É porque queres, áspero e tirano, 
Tuas aras banhar em sangue humano."



Essa linda evocação ao amor foi escrita há mais de 500 anos, pelo português Luis Vaz de Camões, em sua obra, "Os Lusíadas". O amor aqui é visto como uma entidade, por isso é grafado com letra maiúscula, característica própria do movimento renascentista e da cultura greco-latina. Tal criação foi uma tentativa do autor de escrever uma epopeia portuguesa, inspirada nos grandes heróis da Antiguidade, como Ulisses e Aquiles, narrados na "Odisseia" e "Ilíada", respectivamente. Cabia a Camões, agora, versar sobre o grande herói de seu tempo, não um, mas todo o povo português.

Composta 10 cantos ,distribuídos em 1102 estrofes, organizadas em oitavas decassílabas e esquema de rimas fixo, que ficou conhecido como a oitava rima camoniana. A estrutura da obra divide-se nos padrões da epopeia tradicional grega: proposição, invocação, dedicatória e narração. Na sua proposição, Camões sugere ser essa a grande epopeia da historia, cessando as dos sábios gregos e troianos. Em seguida, invoca às Tágides, ninfas do Tejo, pedindo-lhes inspiração. Dedica sua narrativa à Dom Sebastião, rei de Portugal desaparecido em batalha e enfim inicia a história de seu povo, in media res. 

A narrativa usa como plano de fundo a viagem de Vasco da Gama às Índias, e inicia-se já com as naus em alto mar. Portugal, àquela época, era uma das nações pioneiras nas navegações e havia descoberto esse caminho para compra de produtos. Embora nossos patrícios fossem um povo católico, Camões utiliza-se do artifício da presença dos deuses gregos para ilustrar a sua história e caracterizá-la como uma verdadeira epopeia. Em seu caminho, Vasco passa por inúmeras dificuldades, como a cilada armada pelo rei de Mombaça, as artimanhas de Baco para destruir a viagem, a profecia do Velho do Restelo, a passagem pelo Cabo das Tormentas, aqui metaforizado na figura do Gigante Adamastor, dentre outros. 

Durante a viagem, Vasco é convidado a aportar em Melinde, a ali contar a historia de seu povo ao rei. Aí começam a desfilar as figuras da sociedade lusitana, seus costumes, suas histórias, suas tradições. É nessa parte que aparece o episódio de "Inês de Castro", cujo trecho abre esse texto. Considerado o momento lírico da obra, esse episódio narra a história de Inês, aquela que depois de morta, foi rainha. Aquela que morreu apenas porque amava. D. Fernando, príncipe português, era casado com a ama de Inês e acabou apaixonando-se pela serva. Após ficar viúvo, resolveu render-se ao amor e uniu-se a Inês. O rei, D. Afonso, resolve, então, acabar com a vida da moça, que ainda tenta salvar-se , clamando pelos seus filhos. O rei se compadece, mas o povo resolve traçar o destino de Inês com a pena da morte. Ao tornar-se rei, D. Fernando ordena que a sua amante tenha um funeral digno da nobreza. Diz uma lenda que ele a colocou, ricamente vestida, sentada no trono e coroou-a rainha. "Inês é morta!", muitos dizem sem nem saber a origem desse tão antigo ditado. Tarde demais! Não havia mais tempo de reaver e reviver esse amor. 

A narrativa segue com outras historias do povo português, suas conquistas, suas batalhas, seu cruel predestinado berrado pelo velho, considerado louco por muitos. Dizem que Camões não realizou a epopeia perfeita, pois tem um tom crítico e saudosista em seu modo de narrar, que sugerem a glória e futura decadência de seu herói, seu povo. Reza a lenda que, num acidente marítimo, o autor teve que escolher entre salvar a vida de sua amada e os seus manuscritos. Salvou o livro. 

Ainda bem! Caso assim não fosse, hoje não teríamos essa história para contar. Com certeza, nos dias de hoje, nenhum autor teria tempo cabível, nem inspiração, nem jeito de fazer uma obra como essa. Ela não cabe mais em nosso tempo. Pelo menos não para ser escrita. Para ser lida, apenas por alguns corajosos que se atrevem. Infelizmente, nos dias de hoje, ensinar Camões, Literatura, Arte, é uma forma de oferecer pérolas aos porcos! Poucos se interessam, poucos alcançam a grandeza dessa e de outras grandes histórias. A sociedade infelizmente perdeu-se. Tornou-se rasa, apagou-se na passagem do tempo e já não valoriza mais o que é bom e o que é belo. Teve a sua capacidade reflexiva, criativa e admiradora enterrada junto com Inês. Tomara que um dia alguém (que ainda ame) a retire do sepulcro para fazê-la rainha.



domingo, 20 de janeiro de 2013

Ego

Quero a dor!
Aceito a morte,
Cansei da anestesia,
Da apatia, do molde.
Desejo o açoite,
O ponto final.
O novo parágrafo
O derradeiro gole.
Quero o inesperado,
O nascer do sol,
A surpresa.
Quero perder a hora,
Perder a cabeça,
Perder o medo,
Perder a chave.
Quero o susto,
O porre,
O palavrão,
O orgasmo!
Aceito o escárnio.
Cansei de ser personagem!
Quero o novo,
Faço a passagem,
Volto ao que fui
Me torno nova
Aceito o escuro
Gabarito a prova.
Cansei da mentira
Do olhar sem brilho
Das horas mortas
Das primaveras tortas.
Aceito o frio,
Louco, vadio,
Insone, insano, real.
Aceito a cova do que fui
E que não era eu.
Não quero ser enfeite de museu.
Quero a chegada, quero o cais, quero o porto
Seguro, mas não morto!

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Pouco tudo muito nada

Enquanto o ônibus segue seu trajeto,
Vou, olhando o mar. Quieto
Vejo as pessoas e a vida.
Passageiras!
Concluo, então
Olhando o relógio que carrego no pulso.

Há muito relógio e pouco tempo
Poucos sorrisos, muito lamento
Muito suborno, mínimo salário
Pouco patrão, muito operário
Muito partido, pouca política
Pouco trabalho, muita estatística
Muito banco, pouca escola
Pouca solução, muita esmola
Muito Naldo, pouco Chico
Pouca paz, muito agito
Muita luta, pouca recompensa
Pouco direito, muita sentença
Muita seta, único alvo
Pouca clareza, muito agravo.
Muito apartamento, pouco quintal
Pouco bem, excessivo mal
Muito dízimo, pouca honestidade
É muito show fantasiado de caridade
Pouco Drummond, pouco poema
Muito vazio, muito problema
Pouco trabalho, muito imposto
Muita mazela, muito desgosto
Muito buraco, pouca estrada.
Pouco tudo e muito nada!

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Chico Buarque, O Professor




Mexendo na minha gaveta de discos, achei um que se intitula "Chico Buarque O sambista" e traz uma seleção de alguns dos bons sambas desse compositor. Fui procurar então, os outros discos, lançados em comemoração aos 50 anos de natalidade do dono dos olhos de mar mais lindos que já vi (amor platônico é um caso seríssimo!). Achei os títulos de trovador, cronista, político, malandro e amante. Não tenho nenhum deles, mas vou tratar de começar a minha busca, pois há tempos não compro um bom disco. Imagina levar cinco numa tacada só?

Mas nesses títulos, na minha opinião, um faltou: "Chico: o professor!". Me alimentando de Chico, como faço agora (por isso o texto), consigo achar cada um desses, tão distintos e, ao mesmo tempo, complementares. As trovas tão bem cantadas, dos tantos eu líricos femininos à espera de seus amores; o dia a dia simplório, como em "Feijoada Completa" e "Sinal Fechado"; a denúncia social e crítica política, reflexos do cenário de seu tempo, em diversas canções, e em particular em "Cálice" (uma das minhas preferidas); os tantos sambinhas malandros, que a gente cantarola feliz, "caminhando na ponta dos pés, como quem pisa nos corações"; enfim, das declarações de amor ardentes e sensuais que "ficam no corpo feito tatuagem", e trazem muitas vezes um certo erotismo, sem ser vulgar. 

Chico é isso! É para todos, paulistas, pernambucanos,mineiros, baianos, etc. Talvez, por isso, seja também um professor. Conheci sua obra ainda menina, pois na vitrola lá de casa sempre tinha uma bolacha a girar essas cantigas. Só fui ter a real compreensão delas tempos depois, mas crescer com esse som aguçou meus ouvidos. Na escola, foi meu mestre em muitas lições. No antigo primeiro grau, o vi durante quase todos os anos da minha vida sentada nas carteiras. Aprendi sobre Grécia, ditadura militar, geografia brasileira, gramática, ao som das cantigas desse certo Francisco (que com certeza será o nome do meu filho homem, caso eu ainda o tenha!).

Mas Chico é professor pra mim também, porque, professor de Português que se preza, adora uma musiquinha dele nas suas aulas. A minha playlist é grande, juntamente com minha coleção de planos de aula. Com "Construção", além da questão temática, consegue-se trabalhar acentuação; "João e Maria", com sua linguagem típica infantil, trabalha-se as variantes linguísticas e rende ainda uma boa aula de verbos; "Olhos nos olhos" é campeã nas aulas de Literatura sobre o Trovadorismo... E por aí vai! Meus alunos não saem da escola sem conhecer Chico. Meus colegas de profissão acrescentarão mais títulos e mais ideias sobre cada um deles.

Chico é mestre, é poeta, é artista. É o maior, sem desmerecer os outros (e sem levar em consideração o meu amor platônico! rs). "Ah, se eu pudesse, não caia na sua!". Mas agora não tem jeito. Não há como não mergulhar nesse vasto universo e retirar dele inúmeras lições, de gramática, de literatura, de redação, arte, geografia, história, de vida! Chico ensina a amar, a viver, a sofrer, a rebelar, a crescer, a apedrejar, a calar, a consolar. Preocupou-se até mesmo com as crianças, pra que as professoras primárias não ficassem com ciúmes. Chico ensina. Simplesmente. Sem mais. E nos induz, docemente, ao desejo de não o esquecer, assim como um caderno, "num canto qualquer."


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Canção insone

Insone!
Busco nas suas letras
O meu nome.
Busco o som de um saxofone
A tocar uma canção de nós dois!
Busco a busca,
Algo que te impressione.
Busco o novo velho
Som de um passado futuro
Ou do que não volta mais.

Insano!
Busco o chão perdido
Feito um louco varrido!
Querer o que está indefinido
Viver o retroagir dos anos
Há dez primaveras.
Há nessa quimera
Um gosto de realidade?
Uma certa iniquidade?
De querer o que já encerrara.

Insípido!
Busco acordado o teu sabor,
Mas por que esse furor?
Se seu gosto não deixa meus lábios,
Faça chuva, faça sol, haja raios,
Trovões! Meu calor,
Teu amor, outrora latente
Hoje busco, sem me saber
Louco, varrido, vadio, bandido
Aceito a paga, prazo vencido!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Para Jéssica, no seu aniversário!

De onde vem o amor?
Senão da sua gargalhada farta,
Da lembrança da sua feliz chegada,
Das saudades geradas por longas distâncias,
Pelos cachinhos dos seus cabelos,
Das suas calcinhas de babados,
Dos banhos de tanque,
Da boca cheia de comida.

De onde vem o amor?
Senão da beleza morena
Da força, da leveza, da alegria
Da eterna simpatia, da festa
Da certeza de que a vida é bela
Ainda que às vezes diga não
E transforme sorte em revés.

De onde vem o amor?
Não é do sangue, das marcas
Não de fora, não das caras.
Vem da força, da escolha
Vem simplesmente
Pois amor não se explica
Vem do coração!



segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Aventura

Quando viu, estava de frente àqueles olhos, azuis celeste, faróis de moto, olhar de festa. Não soube como reagir a tanta beleza. Fixou seus olhos naqueles, que o levaram para dentro, cada vez mais dentro, cada vez mais dentro... Levantou-se do chão, recolheu seus livros e desculpou-se com a moça em quem tropeçara. A dona daquele olhar apenas o sorriu, disse que não tinha de quê e entrou na biblioteca. E ele ficou ali, olhando a mulher com os olhos de Osíris se distanciar cada vez mais de si, e se internalizar cada vez mais em si.

Eduardo jamais sentira sensação semelhante. Tinha todas as mulheres que queria, mas não tinha nenhuma. Não conseguia prender-se a nenhum amor, sempre jogando-se na vida, sorvendo a liberdade a qual estava acostumado, sem firmar em um porto. Mas aqueles olhos! Só conseguia pensar naquele anil que o prendera,no "choque entre o azul e o cacho de acácias", cantado por Caetano, naquela isca que dançava sob seus olhos, naqueles passos cadenciados para longe de seu corpo, mas cada vez mais para dentro de sua alma.

Por alguns instantes ficou parado ali. O peito apertado e a sensação de borboletas no estômago, de que tanto ouvira em mensagens, telefonemas, declarações. E por um momento, o senhor de si e da razão, do domínio de seu mundo e da sua vida, que sempre dizia não, que sempre sabia o que fazer, ficou anestesiado por aquela moça, que esbarrara nele, derrubara seus livros no chão, mas nem sequer demonstrava um vestígio da veneração que provocara nas outras mulheres.

Entrou na biblioteca. Realmente precisava estudar. Mas nunca o fizera ali. Sempre levava seus afazeres para casa. E naquele dia, precisava mudar radicalmente seu jeito de ser, porque a sua vida estava condenada a mudar para sempre depois daquele acidente. Olhou as mesas e cadeiras, observou cada um que ali estava e, ao fundo do salão, com fones no ouvido e um livro enorme, viu a moça. Propositalmente, escolheu a cadeira vazia ao lado dela para sentar-se. Abriu um de seus muitos livros de Direito, e ficou ali, com o livro e a mente abertas. Tentava um aproximação, mas a moça estava absorta em uma história que ele nunca lera, num livro de capa grossa azul, com umas folhas já amareladas. Trazia ao lado uma caderneta, na qual fazia recorrentes anotações.

Eduardo não se deu conta de quanto tempo passou desde que entrou na biblioteca, mas quando deu por si, não tinha saído nem mesmo da segunda página. Começou a ler então aquelas leis todas, concentrou-se ali, sem notar que a moça levantara e fora embora sem fazer barulho ou mostrar vulto. A única coisa que percebeu foi o perfume da moça no ar e a ausência que seu corpo deixara na cadeira ao lado. A leitura estava adiantada, quando resolveu que iria embora. Ao recolher seu material, viu uma pequena folha cerrada, que não fazia parte de suas coisas. Quando abriu, havia um número de telefone apenas.

Ligou imediatamente, sem mesmo saber quem atenderia. Foi quando inebriou-se mais uma vez! Aquela então era a voz da sua deusa, o canto de uma sereia, a sinfonia mais perfeita. Conversaram por alguns minutos e ela disse que sempre o observara, mas que não deixava transparecer, pois não queria ser apenas mais uma. Eduardo percebeu, então, que ela era única. Pegou sua moto e correu ao encontro de Milena. 

- Nunca imaginei que logo você, o cara mais folgado da faculdade, fosse ler meu bilhete e me ligar!

- Por que não ligaria?

- Porque sempre tem tantas meninas a sua volta, que achei que nunca fosse olhar pra mim, a maluquinha de História, sempre com fones no ouvido e livros na mão. Achei que não era o seu tipo.

- Vi seu olhar de farol de moto, azul celeste. Me ganhou no ato! Uma carona pra Lua, tá afim?

Milena sorriu e o encantamento de Eduardo por ela só fez aumentar Lembrou-se de uma música de um cantor homônimo ao seu amante que ouvira mais cedo. A melodia tomou conta da moça e dominou seu corpo. Subiu na moto e saíram sem rumo, noite adentro, botecos abrindo e os dois rindo,  brindando cerveja, como se fosse champagne. E assim viveram um tempo, arrastados por estradas, desertos, curtindo a vida e aquele amor com total entrega e felicidade que nunca imaginaram sentir.

Quando completara seis meses de relacionamento, Eduardo já era outro: torna-se mais responsável com os estudos, não perdia mais aulas, não saía mais à noite com os amigos, não tinha mais inúmeras mulheres na lista de contatos. Estava feliz! Não se permitira essa felicidade nunca em sua vida. O rapaz era como um borboleta, que há muito se permitiu aprisionar na condição de lagarta. Era livre das amarras sociais que o prendiam, não tinha mais necessidade de provar nada a ninguém. Sentia-se feliz, como se seus dias fossem todos de férias, debaixo de palmeiras no mar.

Preparou, então, uma surpresa para Milena. Levou-a para jantar. Luz de velas! Ao fundo, uma música! Convidou-a para dançar. Outros casais ocupavam a pista de dança. Foi quando um escorpião mordeu o coração de Eduardo. Pensou ter visto um cara olhar para Milena. Não podia imaginar sequer perder a moça de seus sonhos, seus olhos de anil, sua companhia de aventuras, de madrugadas intensas. A mesma fração de segundos que levou para apaixonar-se, levou também para enlouquecer. Pintou ciúme na mesa do bar. Milena sentiu a inquietude do namorado e brincou:

- Fica frio, meu bem, é melhor relaxar!

Soltou uma gargalhada, pois achava que Eduardo nunca teria atitude tão infantil. Achava aquilo tudo uma bobagem. Mas a gargalhada soou como uma estaca no coração do rapaz. Acreditou que ela ironizava seus sentimentos. Suava frio, não sabia controlar o que sentia. Via o azul dos olhos de Milena em sua mente, ouvia aquela gargalhada, via a moça rodar na pista, sufocava, se irritava, não conseguia se conter. Puxou a moça pelo braço, que sem entender, o acompanhava assustada. Colocou-a na moto e saiu correndo.

Voava pela rua, costurando entre os carros, numa velocidade frenética. Milena gritava, pedia que parasse, batia em suas costas, mas o monstro do ciúme e o som do trânsito não permitiam que ele a ouvisse. Apenas corria! Passaram por avenidas e becos, bairros nobres e favelas, até que, em cima de uma ponte, ele fez uma manobra e a moça voou. Eduardo manteve-se firme na direção! Milena agonizava sobre contêineres  de um porto desativado. 

Eduardo disparou a sua moto. Estava destinado a passar a vida dormindo a viajar entre lençóis, vendo o corpo de Milena dançar no meio do jantar, num ballet sedutor, e a imagem daquela dança ia e vinha, ora no restaurante, ora na ponte. Já não distinguia sonho e realidade. Aventurava-se pela cidade, a procurar por todos lugares. Todos os faróis lembravam os olhos de Milena. Não vivia mais os dias de descanso, que agora verteram-se em agonia, em quase escravidão, em ser lagarta de novo, aprisionado na falsa liberdade, pois ninguém soubera como Milena despencara ponte abaixo.

Voltou à ponte. Ficou ali alguns instantes. Não sabia precisar quanto. Perdera a noção de tempo, espaço, direção. Perdera a sua bússola, a moça que lhe ensinou tudo, inclusive a sofrer. A moça que lhe permitiu sentir, que  fora seu céu e seu inferno, seu melhor e seu pior.  Foi quando ouviu novamente a gargalhada da bruxa e a voz da deusa,  soprando em seu ouvido. Tudo ficou azul. Faróis não paravam de passar e iluminar aquela cena insana. Viu o mar, viu a palmeira, viu Milena ir e vir na sua dança. Ouviu a sua voz "fica frio, meu bem, é melhor relaxar!" E assim o fez! Estava novamente livre e ao lado de sua amada. Vivia novamente seus dias de férias.

Palmeira no mar!