sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Tricô

Enquanto borda uma vida
Enquanto tece o tricô
Enquanto fia
O fio
Os filhos
A família
O sorriso
Os casaquinhos de lã
A tarde nublada
Noite enluarada
Caminhos e estrada

Em cada fio
Um desafio

A lã branquinha
Faz sapatos
Pra nova vida
Faz casaco
Pra aquecer a partida
Faz toalha
Faz pano
Faz vida.

Doce mão de senhora
Tecia outrora
Já não mais agora

Acabou o novelo
Acabou a novela
Acabou a espera
Deixou seu bordado
Terminou o seu fardo
E como num fado
Fadado

E fica seu recado
Fica seu legado
Em vestes e sonhos
Em momentos risonhos
Nas lembranças
Nas crianças
Suas heranças
Sua fé
Seu café
Sua sanidade

Na verdade
Deixa a vida
Mas não a deixa
De fato
Ficou o pequeno sapato
Ficou o porta retrato
Ficou de fato
Seu cesto
Suas agulhas
Suas lãs
Suas linhas
Seu trilho
Sua lembrança
Seu amor
É sua herança!

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Duplo sentido

Com que palavra
se lavra
a larva?

Com que defeito
com que jeito
"inter jeição"
rejeição

tanto não
tanta mão
pouco pão

muita letra
muita mutreta

palavra escrita
muita jogada
muita malícia
palavra errada

duplo sentido
sentido
no ouvido
no olvido
que leva a vida
e que se enleva
na despedida

despeço
cumprimento
sem comprimento
desse verso
que pode ser doce
pode ser deleite

ambígua idade

outubro
ou nada


segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Há gosto

Eu gosto
Desse contra gosto
Que sempre surge
Quando vem agosto

Já dissera
Em breve, a primavera
Na flor que se esmera
A enfeitar varandas

Espera
Mais dias
Mais semana
Se fia
Nessa amargura insana
Que mal diz

É só um mês
É uma vez
Uma chance
De um relance
De romance

Não há tal
Não há mal
Não há desgosto

É só um mês
É a seu gosto
É só agosto!



sexta-feira, 10 de julho de 2015

Reverso

Silêncio no jardim

Será a noite
será a sorte
ou seria o inverno?

Se ainda não há primavera
pra que espera?

As palavras de outrora
não vêm a essa hora

Seria a seca de outono?
o que justifica o vazio
de tanta lavra
tanta palavra
tanta emoção

Findou-se a rima!

O que revive essa quimera
Onde se escreve a primavera?

Onde está o doce trovador?


Em rima rica
pobre
poeta
Já não mais usa
onde sua musa
em meio a versos sombrios
vazios

Silêncio no jardim!

sábado, 4 de julho de 2015

Intervalo

Falo
desse intervalo
desse silêncio
desse estêncil
que fez rascunho
e cunho
de páginas brancas
que não foram escritas
não foram ditas

mas foram vida!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Fita fina

Caminho de flores
o que caminha
rumo ao sonho
trilha insegura
desconcerto
falta de acerto
falta de aperto
falta de rocha
falta edificar
trilhar intimidades
caminhar dificuldades
conjugar amenidades
juntar
mais que dizer
mais que afirmar
é firmar em base
apertar o laço
de que adianta o estático?
o belo sorriso
em registro?
de que adianta
o caminho vazio?
de que adianta
o barulho do sino?
se a terra é de surdos
pedido mudo
perdido mundo
esse das aparências
falta essência
falta vivência
falta a pauta
à mesa do café
falta o bom dia
falta o doce deleite
junto ao pão
falta a junção de toalhas
falta rotina, essa navalha
que fere, mas não destrói
falta a traça que corrói
os livros, os discos
mas não o amor
aeroporto sem teto
onde o afeto?
onde esse feto
que hoje começa
até não se sabe quando
até onde se espera o sempre
sempre
até que a vida
e o que ela ensina
até que a sorte
ou sua rima
faça ou desfaça
em fita fina
ou desenlace
suave sina.



quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Levada

Nesse mar que navega
essa vela que leva
e vela, e leva, e revela
e enleva

Mar adentro
mar alento
Além do rio
Alentejo

Belo fado
nesse recado
dado
em vez e voz

Foz
remanso
rio manso
maré

mar e rio
leito e margem
imagem

suas iaras
suas sereias
suas areias

cercadas de fé
de entrega
em que navega
a rainha

minha cantiga é sua
minha cantiga nua

que se tece
em forma de prece
que abraça e agradece