terça-feira, 28 de maio de 2013

Sentença

Não há nada a dizer,
Pois, simplesmente, não há nada.
A espada da culpa não vai me ferir,
Os loucos do amor irão me banir.
Não há crime!
Pra que condenação?
Seus arroubos, seu jeito tolo,
Me pedem o que não sou.
Sua bateria não tem minha energia,
Seu som não movimenta meus pés.
Meus pés!
Não se levantam,
Não levitam,
Não se precipitam em sua direção.
De quem é a culpa?
Pedido de desculpa?
Discutir o quê?
Argumentar pra quê?
Por quê?
Um quê de mágoa despeja de seus olhos,
Minha sanidade transborda por meus poros,
Me gasto, me exponho, me ponho
Naquilo que não quero.
E assim eu espero,
um quê de compreensão.
Por ora, nada de palavras que rimem com céu,
Nada de relentos, nada de talentos,
Nada de nada.
Palavra final, sentença dada!


sábado, 25 de maio de 2013

Trago

O que trago é apenas um trago,
Aprisionado, entalado, enlatado,
Em latidos e grunhidos que não grito
Em contas que não cobro,
Nos joelhos que não dobro.
A sensação estanque de que o tempo
Ora tange, ora range
Ora para.

Contemplo a ressaca.
O que ela revira é a minha ira,
Minha ferida exposta,
É aquilo que  a plateia gosta.
Meu riso, meus batons, meus perfumes,
Agora desbotam em cima da estante.
E é assim que me contemplam.
Assim que me veneram
Assim que me esperam.

Enquanto a onda leva
Meu sopro de esperança.
Enquanto fico aqui,
Nesse meu eterno vício
Em “meu pouco de desperdício”,
Tentando um reinício,
Que gira feito elipse
E sempre volta.

Por uma estrada torta,
Onde, repousa, morta,
O que nem sei dizer.
Porque o que trago,
É apenas esse trago,
É apenas o estrago,
Dos cigarros que não fumo,
Dos caminhos que não rumo
Dos amores que não consumo
Do barco e sua falta de prumo.
Da vida que não resumo,

Na palavra que não mais rima.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Onde dormem as rainhas

Deve haver um lindo lugar
Onde dormem as rainhas
Onde repousam de seu pouso
Do voo de volta à sua glória.

Deve haver um leito manso,
Onde dormem as rainhas
Pronto para tal descanso,
Justo e tão esperado.

Não essas que em ouro se banham,
Mas aquelas, rainhas de suas vidas,
de histórias tão sofridas,
de mãos calejadas,
de lenços que se fazem em coroa.

Essas rainhas anciãs,
que nada mais anseiam,
senhoras do tempo e de quintais,
de quaradouros e varais,
que dão comidas aos animais,
que colhem guando e plantam bananais.

Rainhas de vida e morte,
vivem o destino e sua sorte,
são braços e coração fortes,
são bússolas, indicam o norte.

Ah! Esse lugar existe,
Onde sentam e descansam,
trocam receitas e proseiam,
fazem poemas em sábio conselhos,
comem broa e café,
Onde mantêm-se de pé,
apesar dos ombros cansados.

Lugar de quermesses e fogueiras,
de cigarros de palha, seresta,
lugar de alegria e festa
ao lado do Rei dos reis
De onde ditam as leis
Das lavanderias e das cozinhas,
Das camas prontas e arrumadas,
da roupa limpa e passada,
da vida e sua toada.

Lugar de remanso e águas claras
Lugar de rezar ladainhas
Lugar de bordados e linhas
Lugar de coloridas florezinhas
Onde dormem as rainhas.


terça-feira, 21 de maio de 2013

O bicho

Que bicho é esse
que me consome?
Não tem forma,
não tem nome
Será azia,
Melancolia,
Nostalgia.

Será o medo,
e seus mil enredos,
será segredo,
é tarde ou cedo?
Por que não vejo?

Alguém debocha,
Ri, gargalha,
Me mostra na cara
Me fere a navalha.

A inevitável hora aproxima.
Quero colo!
Mas é justamente ele
que me está sendo levado,
será velado,
sacramentado,
lacrado.

E eu?
E o bicho?
Como acabar?
Como findar?
Como me fincar?
Como me sustentar?
Como não quedar?

Sem a mão amiga,
sem a tarde quente.
sem o gosto aparente,
dessa vida remida.
Que insiste na ida.
que anuncia partida
se vá, minha querida!

Me deixe aqui,
Com o pulso forte,
com horror da morte,
com o fim do norte,
com seu  "-juízo!",
que tanto preciso.
com o amargo,o estrago,
o podre, o perene
me deixe surdo o ouvido,
nesse dia temido.

Ficamos eu,
e as lembranças,
as esperanças,
as imagens de criança,
a vida e sua dança,
a dor e sua lança,
as folhas de um longo outono,
a embriaguez, o sono
a conta que nunca abono,
o luxo e seu inevitável lixo.
Ficamos eu, e o bicho!



segunda-feira, 20 de maio de 2013

A deusa coroada

É com um grito na alma que cerro mais um livro. Não um livro qualquer, definitivamente. Um misto de lágrimas, uma certa gargalhada, um cheiro, um abraço, uma veneração à quatrocentas e poucas páginas revestidas por uma capa, onde se vêem cartas antigas amarradas num barbante vermelho. Uma história, uma catarse. Nada mais será como antes, depois de "O amor nos tempos do cólera". Uma história de amor, ao meu ver, mais bela que a de Shakespeare, que traz a morte como redenção. Aqui, Gabriel Garcia Marquez não coloca redenções para o amor: o amor não se redime, assim como a vida e o destino, que por vezes colocam-nos em labirintos e outras, em largos caminhos retos.

Florentino Ariza e Fermina Daza são personagens complexas, extremas, carregadas de uma humanidade fora do comum. São protagonistas e antagonistas do mesmo sentimento, ainda que esse seja um grande paradoxo. Não são brigas familiares, circunstâncias do destino, ou qualquer outro fator externo que impedem a realização do amor. É o próprio amor, contrariado, contrariante, conflitante, dividido, passional, racional e quantos adjetivos mais forem necessários para se descrever o que simplesmente não se define. É tudo amor, em sua essência, ainda que esse não seja o esperado, o desejado, o preterido, o preferido. Fazendo uma análise superficial, o casal representa duas faces de um mesma sensação. Faces essas que permeiam as relações de todos, que ora são a paixão sem freio e delirante de Florentino, ora a razão de Fermina. 

Outra feliz surpresa desse livro, é a descoberta de uma personagem. Sem dúvidas, Fermina Daza é, e creio que será para sempre, a "pessoa" mais fantástica que já li. Florentino se revela ao todo, se entrega, e é entregue a nós pelo narrador. É "todo amor", é um pobre homem, um vivente à sombra de um paixão de 50 anos, 9 meses e 4 dias. É ele a sombra de um sol configurado numa mulher, pois era apenas isso que Fermina era: MULHER. Dessas de carne, osso, qualidades e defeitos, muitos defeitos. Recusou o título de "deusa coroada", para ser uma escrava de sua existência matrimonial, de sua rotina, de uma vida talvez melancólica, mas de verdade. Fermina era firme, com o perdão do trocadilho. Firme em ser, em realizar, em desfilar com seu jeito particular, que um posto de deusa não permitiria.

Por um momento eu quis matá-la. A odiei com toda a força da minha alma. Mas ela é apaixonante, com seu jeito por vezes ríspido de lidar com o amor, com seu estilo irreverente de encher baús de cacarecos e animais exóticos, com sua postura social ensaiada, seu jeito peculiar de se esconder no banheiro para fumar, seu jeito nem um pouco semelhante ao de uma deusa. Fosse ela coroada, poderia desfrutar da vida que teve ?  Fosse ela endeusada, poderia ser essa leviana a alguns olhos mais idealizadores do amor? Fosse ela revestida de rainha, poderia amar nesse jeito todo dela, mas que nem por isso deixa um instante de ser amor? São perguntas que ficarão sem respostas, pois numa obra de ficção não há espaços para hipóteses. Além disso, a construção da personagem não permite muitas conclusões e pouco se sabe de seus pensamentos e sentimentos. Talvez porque esses sejam simplesmente simples, diferentes do ideal de sentimento que carregamos desde a infância, por causa dos contos de fadas. 

Não há príncipes e princesas nessa história de amor. Apenas um sujeito taciturno, numa vida de surdina, que em nada se compara à imagem romântica dos protagonistas de histórias de amor; e essa pérola dentro da ostra, que carrega uma preciosidade impar, alheia aos desígnios da paixão, mas não ao amor. E a vida é exatamente isso: amores que não se realizam, que matam, que morrem, que duram um dia, que duram a vida inteira, de acordo a experiência de cada um. O amor não é esse teatro ensaiado, onde beijos são transformadores de personalidades, em que todos são felizes no final. A felicidade do amor se constrói diariamente, em pequenas doses até mesmo de conflitos, assim como no casamento de Fermina. A felicidade do amor pode ser construída no jeito peculiar de Florentino, que amou apenas uma, mas ao mesmo tempo amou tantas e de diversos modos. 

A genialidade desse escritor se configura cada vez mais. Se em "Cem anos", vivi momentos de magia, aqui fui transportada para um universo de paixão, de algo que queima, que arrebata, que consome. "Os sintomas do amor são os mesmos do cólera!" Vivi dias de intenso cólera! Apaixonante cólera. Tão apaixonante ao ponto de quase me fazer erguer a bandeira amarela e ficar à deriva nesse delicioso mar, assim como os navios à época das epidemias. Mas, terminei a viagem. Com um grito na alma, cerrei mais um livro. Fantástico! Surpreendente! Encantada e "com a surpresa (nem tão) tardia de que é a vida, mais que a morte, a que não tem limites!"

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A neurema

A neura
O aneurisma
O telefonema.
A neurema.

Dorme em leito forte
De jacarandá,
Com sangue escravo.
Gera protagonista
De uma grande comédia.

Um quê de riso
Que gera histórias
Tarde de glórias,
Em horas que passam
Mas não se percebe.

Fez-se história
Inventou personagens
Criados, revelados,montados,
Engraçados,
Traçados a inúmeras mãos.
Mãos fraternas,
Liga eterna de um sangue
Que só fez gente porreta!

E a história,
Dá uma novela,
Melhor que esta,
Talvez até que aquela.
De uma paranoia,
Telefonada por uma lambisgoia
E o seu provável fruto.

E aquela que ali anda
Com saia de cigana...
Espera!
Quem é aquela?
Que nome será que revela?
Será Flor, será Rosa,
Quem é aquela, toda prosa
Que num espelho eu já vi?
Se eu não estivesse aqui,
Diria que era eu passando ali!

terça-feira, 14 de maio de 2013

Casulo

Pode a borboleta
verter-se em casulo?
Fechar as asas,
tornar-se cinza,
Sem cor, sem luz, sem voo?

Espremida, sem vida,
Sua essência banida,
simplesmente,
Em não ser.
Parada, congelada,
fadada ao nada.

O casulo cerrado,
O trânsito engarrafado,
O sinal fechado.
O tom manchado,
Por um viver calado.

Sem voz,
sem luz,
sem movimento.

Essa trama a prende,
Sufoca, mastiga,
Quer sair, quer vida!

E, assim,
sem perceber,
fio a fio,
a casca se desfaz
em nuvem.
evapora.

E ela,
que pusera tudo
que vivera o mudo,
em um grito agudo,
revela em desnudo,
o que não lhe abriga.

Pode a borboleta
ser um casulo?
os minutos correram
os invernos passaram
o interstício,
o vício,
o reinício.
em um relance,
se lança.

E assim, asa por asa,
Volta ao voo,
ainda que lenta,
de volta pra Casa.



segunda-feira, 13 de maio de 2013

Melhor? Só o céu!

Onde a lua cheia clareia o velho mar,
Vê-se gaivota a mergulhar,
E assim, sem peixes voltar,
O povo põe-se a vaiar.

Onde a mãe, com seus remédios,
Está posta no altar,
Onde o povo no meio da rua,
Sem medo põe-se a andar.

Ali, no vilarejo dos sonhos,
Onde tudo parece ilusão,
Cada causo, cada conto,
É alento ao coração.

Na cidade onde todo mundo,
É sempre de alguém,
Perde-se amigos, mas nunca a piada,
E nessa não se perdoa ninguém.

É ali onde Deus desenhou,
Mar, sol, suor, sal, tradição,
Brigas, rachas, dialetos,
Pesca, barcos, sonhos, coração.

Espelho d'água, ressurgência,
Da Praia Grande ao Pontal,
De belezas e "singelezas"
Se faz intrépido arraial.

Sábio era mesmo aquele,
que vivia a bradar ao léu,
Melhor que o Cabo?
Ah... melhor mesmo, só o céu.

sábado, 11 de maio de 2013

Festa

E numa noite tão comum,
Em que somos bem mais que um,
Somos vários, meros operários
Da vida, do tempo, do vento
Sentados a um certo relento,
à mercê de inusitados eventos,
De um pássaro meio desatento
Lá estão eles!

Um bando!
Em quantos fomos?
Em sete.
Sete?
Será que essa conta está certa?
Será possível bater essa meta?
Ah! não meta essa!!!
Conte mais uma,
E outra, e aquela
Comemorando nova primavera
De pessoa tão singela!

Risos, histórias, risos, memórias
Risos, risos, risos,
Até a barriga doer,
Até a lágrima descer,
Até o copo encher,
Até a gente perceber,
O raiar da hora.

Histórias impublicáveis,
Em riscos, rabiscos,
Me arrisco a afirmar
Que certas contas não batem
Que certos atos não se calam
Que certos medos não se eternizam.
Que certos éramos nós,
Sem medo da correnteza,
Sentados, assim, à mesa,
Sem pudor, sem delicadeza,
Comemorando, dela e nossa,
A vida e sua beleza!




terça-feira, 7 de maio de 2013

Manhãs de maio

O outono chega,
E com ele as manhãs gélidas de maio.
Parecem dias invernais,
De chuva e nublado.
As borboletas deixam cinzas os jardins.
Não há perfume de rosas,
Não há jasmins,
Apenas o acre do feijão
esquecido de outrora.
As roupas que não se passam
Os pós que não se retiram.
Envelhecem os dias,
Como que caducando os minutos
Até que virem segundos,
até não virarem mais nada.
Em meio ao frio,
O riso impávido,
Imperdoável
Da hora anunciada.
Porém nunca acreditada.
A alma gela,
A vida congela
Preservada em memórias.
Em tempos de glória,
de crianças que corriam,
de quintais que se faziam
de risos, de brincadeiras.
Acabou-se na poeira,
E em alguma terça-feira,
Ou qualquer data traiçoeira
Chega a hora derradeira.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Dom

Atravessas no bonde.
Vais pra onde?
Com seu jeito casmurro
Sua cara torcida
Sua visão de vida
Só caminho de ida
Que já não tem mais volta.

O menino está morto!
O caminho foi torto,
E segues, absorto
Em lembranças difusas,
Confusas, fundidas
Num mundo de idas.

Não voltas
Pois a sua guia, sua bússola
Encontra-se enterrada,
Rasgada, mal falada
na língua ferina do povo.

A fruta na semente
O capítulo aparente
A menina irreverente
Seu ciúme inconsequente.
A dor da viúva latente.
A flecha no peito ardente.

O que sentes?
Agora, mais nada
Vives de fachada,
Numa casa marcada
Reconstruída em vão.

E a sua cigana,
Poetisa e profana,
Ingênua, insana
Foi-se na ressaca
Foi-se na onda vaga.

Foi-se o olhar que atraia.
Será que esse mesmo traia?
Ou seria pura ironia?
Ou será dura tirania?
Ninguém sabia.
Ninguém saberá!

O que sabe um sentimento ferido?
O que pensa um louco varrido?
O que pode um menino fingido?
O que vive um padre banido?

O que dizes é vão,
O que sentes, então?
O que narras é o não!
E esse meu verso breve
é apenas um desejo
De que a terra lhe seja leve!