sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Amor, I love you


Rita fazia o jantar com prazer. Casada de pouco, procurava fazer as coisas para agradar o marido. O mundo vivia a revolução da virada do ano 2000, mas Rita estava alheia a tudo isso. Queria apenas viver no mundo que imaginara, na vida que pensava ser boa, com o homem que escolheu com a razão, com a casa bonita que eles montaram, com seu trabalho estável, com seus cachorros, sua cozinha e sua sala. Descascava batatas, como se esse ato fosse o mais nobre de todo o mundo! Era feliz naquela vida modelada, sem aborrecimentos e sem grandes emoções.

Da cozinha, ouviu soar na sala uma música da qual gostava. Correu até lá, e viu que na  TV passava o clipe, mas preferiu apenas aumentar o volume, voltar às batatas e cantarolar junto, numa alegria construída: “Deixa eu dizer que te amo, deixa eu pensar em você...”. Terminou o jantar com calma, deixou a travessa no fogão, para levar ao forno quando o marido chegasse. Tomou seu banho, na hora de sempre, e sentou-se para ver a novela. E ali ficou, observando os acontecimentos, esperando a chegada do marido.

Era uma moça jovem, inteligente, que aos 25 anos já era funcionária pública estabilizada. Fora criada para não errar. Procurava seguir conselhos, fazer as coisas com perfeição. Sua casa era de uma limpeza, de uma ordem, nada era fora do lugar, nada era fora de estilo, nada era sem combinar. A cama sempre feita, a roupa sempre engomada, a comida sempre à mesa no horário. Funcionava como um relógio, que só para quando acabam as pilhas.

Seu marido, o Garcia, era um homem sério, responsável, de poucas palavras. Conheceram-se na repartição, iniciaram uma amizade que acabou virando namoro. Construíram uma vida moldada em princípios racionais: a esposa perfeita e o marido provedor. Chegava em casa para jantar, sentava-se à mesa a espera do comida, depois banhava-se para assistir ao noticiário, já na cama, de pijamas. Funcionava como um relógio, que só para quando acabam as pilhas.

Naquele dia, ao chegar em casa, Garcia trouxe um amigo da repartição. Passou pela cozinha, onde Rita colocava o prato no forno, beijou-lhe a testa e olhou a travessa com ar de reprovação. Foi para o banho e Rita foi fazer sala para a visita. Quando chegou , reconheceu seu velho amigo da repartição, e sorriu-lhe com saudade. Conversaram sobre diversos assuntos, todos comuns e do gosto de ambos. Colocaram em dia a lista de livros e discos que compraram, os shows aos quais assistiram, os sites que visitaram. Garcia chegou, e o assunto foi se resumindo aos problemas da repartição e do Botafogo.

Rita pôs os pratos na mesa, os copos e talheres com perfeição. Trouxe as batatas feitas no forno e um vinho para acompanhar. Serviu o marido, a visita e depois a si mesma. Buscou um suco, pois não tomava vinho. Jantaram calados. Garcia, com pouco gosto. Os outros dois, como num baquete. Após o jantar, enquanto Rita tirava a mesa e arrumava a cozinha, Garcia mostrava ao amigo sua nova máquina fotográfica, dessas modernas, que batem fotos sozinhas. Para testar, sentaram-se os três no sofá, numa pose. O flash estourou em segundos e todos ficaram maravilhados com a nova invenção do mercado.

Conversaram mais um pouco, até que Rita retirou-se para dormir, e os homens ficaram ainda na sala. Já era tarde quando Garcia despediu-se do amigo. Embora amigos, eram diferentes. Arnaldo era um homem sorridente, de boa conversa, versava sobre todos os assuntos. Era romântico, ainda que vivesse sozinho. Um cavalheiro como os de antigamente, que não se fazem mais nos dias de tanta modernidade. Gostava de música e Literatura, conversava com Rita sobre esses assuntos, e ela gostava disso.

No outro dia, pela manhã, o telefone toca cedo. Um parente do chefe da repartição falecera, e Garcia tinha de viajar para resolver os problemas do enterro. Passaria o dia a e noite fora de casa. Rita levantou-se, arrumou as malas do marido, recebeu o beijo na testa e viu o homem sair pela porta. Ligou a TV e o clipe novamente passava. Dessa vez, ela parou para assistir e enquanto observava, cantarolava: “Amor, I love you/amor, i love you...”. Fez o almoço para comer sozinha e enquanto almoçava, verificou sua caixa de e-mails. Muita publicidade, muito spam. Mas no meio deles, um em especial lhe chamou a atenção. Era um e-mail de Arnaldo, sem título.

Ao abrir, Rita encontrou na caixa de texto a letra da música que ouvira mais cedo. Ficou sem entender os motivos daquela mensagem. Mas suspirava. Beijava a tela do computador com devoção. Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades. Sentiu um acréscimo de estima por si mesma, e parecia entrar numa experiência interessante, onde cada palavra conduzia ao êxtase.”

Rita desligou rapidamente o computador, como se não quisesse mais sentir. Mas as palavras não saíam de sua mente. Trancou-se no quarto, batendo a porta com furor, com se ali ficasse escondida do mundo. Mas o mundo estava dentro dela. Não adiantava fugir, as palavras já causaram estrago suficiente. Onde quer que fosse, levaria aquele eco em seus ouvidos, como se a canção não pudesse sair da sua cabeça. Ouviu o telefone. Era Arnaldo. Chamava Rita para um passeio.

Ela ainda relutou, mas o carro já estava na sua porta. Saiu apressada e caminharam pelo parque da cidade. Conversaram sobre Machado de Assis, prometeram empréstimos de livros e CD,’s, sem tocar no assunto do e-mail. Até que, debaixo de uma sombra, uma serenata esperava Rita com a canção, agora dos dois. Arnaldo, com seu violão, declarava seu amor a Rita, na letra da música do clipe. A canção cessou, a banda foi embora, assim como apareceu. De relance, sem ser notada. Arnaldo abraçou Rita, e ao pôr-do-sol, ali mesmo na grama, os dois tornaram-se um.

Rita se entregara a um homem como nunca na vida! Toda a formalidade a que estava acostumada se desfez num momento de gozo. Arnaldo prometera acolhida, mas ela preferiu expulsá-lo. Não sabia se tinha raiva ou prazer. Condenara-se por ter sido feliz! Corria feito louca entre as árvores, em lágrimas que ora eram de prazer, ora de arrependimento. Ao olhar ao seu redor, encontrou apenas a foto revelada dos três: ela, o marido e aquele que lhe dera um momento de felicidade. Atrás da foto, a data e uma frase: “Amor, I love you!”. Guardou a foto em seu bolso e correu novamente em meio às arvores, agora na escuridão calada do parque fechado. Não podia ir embora.

Sentou-se e chorou. Pensou na sua vida perfeita aos olhos dos outros, mas vazia de sentimentos. Pensou na sua casa arrumada, na cama esticada, na louça reluzente em cima da pia, na comida do fogão. Pensou. Fez o que era programada para fazer. Rita sabia pensar, tinha ideias, tinha conceitos, mas não sabia amar. Não sabia ser amada. Não conhecia o romantismo dado a ela por Arnaldo. Estranhava as surpresas, os galanteios, o inesperado. Racionalizava tudo em sua vida, até mesmo o amor. Escolhera Garcia. E não conseguia voltar atrás em sua escolha.

Quando acordou, Rita estava com 60 anos, sentada em uma cadeira, com um bastidor de bordado na mão e a foto do passado em outra. Enfeitava uma mesinha de sua sala. A casa ainda brilhava, como se ninguém vivesse nela. Em outra poltrona estava Garcia, lendo um livro, alheio à esposa sentada a poucos metros. Virou a página, viu um retrato. Um retrato antigo, do dia em que viajara para resolver um enterro. Um dia de tantos anos atrás. Olhou a moça do retrato e sorriu.  Permaneceu ali, inerte, em sua leitura.

Rita levantou-se da cadeira, colocou a foto em seu lugar, deixou o bordado na poltrona e foi fazer o jantar. Beijou o marido na testa e pôs-se  a descascar batatas. Descascava batatas, como se esse ato fosse o mais nobre de todo o mundo! Achava que era feliz naquela vida modelada, sem aborrecimentos e sem grandes emoções. Funcionava como um relógio, que só para quando acabam as pilhas. Pensou em Arnaldo, colocou a mesa, sentou-se em silêncio e jantou com o marido, que olhava a comida com pouco gosto. Rita estava num banquete. Só queria dormir e acordar no outro dia com o toque do telefone.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Questionário

A ideia de fazer esse blog veio assim, como um relance. A princípio, era apenas uma forma de publicar um poema e fazer chegá-lo ao seu destinatário. Mas o ato de escrever se tornou para mim vital, assim como beber água, almoçar, abraçar minha filha e dormir. Escrever faz parte da minha vida. Acho que é uma das minhas melhores habilidades. Sou melhor em escrever que em dizer. Sou melhor em escrever que em fazer. 

A escrita estava congelada na minha vida. Estacionou-se numa vaga fácil, devido às circunstâncias do tempo, dos acontecimentos, que às vezes nos atropelam. Ficou parada, como se não quisesse, por um tempo, dizer mais nada. Minha "voz" calou-se no passar dos dias. Mas toda destruição traz a reconstrução! E no meu reconstruir diário, resgatei esse hábito de outrora. Ganhei novamente a minha voz. Agora "dissonante pelos cinco mil alto-falantes"! Para quem quiser ler! Se é que alguém quer ler minhas sandices. (rs)

E nesse retorno, ainda incipiente, o primeiro "filho" veio em forma de poema. Um poema simples, sem jogo de palavras, sem rimas, sem métrica. Mas rasgado de emoções. Como um reflexo do meu eu naquele instante. Não estava preocupada com as formas, com as estéticas, com os padrões. Afligia-me apenas a sensação de vazio por ver a porta cerrada. Mas, dizem que quando Deus fecha uma porta, abrem-se janelas. E aí o que eu fiz? Pulei essas janelas e tô tratando de ser feliz! 

Mas quero deixar aqui o meu poema, aquele que me abriu uma linda janela! Aquele me trouxe a essência de volta. Aquele que, ainda que simples, tem alto valor entre milhões de textos. Por seu meu, por ser único, por ser o anunciador de uma nova possibilidade. Eis:


Questionário

O que fazer quando a porta se fecha e se apaga a luz?
As promessas?
Os planos?
Os enganos?
Os receios?
A boca que não vem?
O corpo que não mais se tem?
Os casos, os acasos, os ocasos?
O que fazer quando o sono não vem,
Quando só o que se tem
É vazio?
O que fazer com o vazio?

Em 30/08/2012

sábado, 20 de outubro de 2012

Avenida Brasil

Hoje fiquei ouvindo os comentários sobre o fim de "Avenida Brasil", todos muito variados, mas a maioria deles decepcionados com o final da personagem Carminha. Personagem essa que roubou a novela para si, uma vez que as pessoas assistiam à Carminha, sempre. Adriana Esteves mostrou que figura entre as estrelas verdadeiras, assim como muitos outros, mas a novela foi dela. A vilã que domina a história, que é amada pelo povo, que ainda assim preferiu que ela sofresse no final. 

E no nosso imaginário, o vilão tem sempre que "pagar". Vivemos numa sociedade onde todo mundo posta no facebook mensagens de fé, de perdão, de louvor a Deus, mas quando vemos a redenção, achamos que ela é ridícula. Novela é ficção, e pelo menos ali queremos ver o que chamamos de justiça. Estamos tão acostumados com a pizza, que em algum lugar o mal tem que perder. A vida não é uma novela! Não há bandidos e mocinhos, Ninas e Carminhas, Maxes e Tufões. Somos um misto de todos eles, amando, odiando, querendo vingança, invejando, achando bem feito, passando pra trás. 

Acho que por isso a ficção nos encanta. E a Rede Globo é rainha em nos encantar com suas novelas. Pelo menos ali temos a falsa impressão de que o mundo é perfeito, de que o bem vence no final, de que as mazelas da sociedade vão ser sempre corrigidas, que o sofrimento é sempre redentor e que no último  capítulo todo mundo casa e é feliz! E o melhor de tudo: nós não precisamos fazer nada, a não ser sentar em nossos sofás, com nossas TVs de última geração, com um balde de pipoca e olhar. Ver desfilar na nossa cara aquele monte de "irrealidade".

Enquanto isso, continuamos a eleger políticos corruptos. Enquanto isso, pobres vão morrendo de fome e de frio, nas filas de hospitais, nos lixões verdadeiros, onde ninguém anda de táxi. Enquanto isso, continuamos alheios ao noticiário, ao problema do próximo de verdade, ao engarrafamento da Avenida Brasil, à falta de urbanização de outras tantas avenidas, ao mal uso do dinheiro público, à gente que mata índio, que agride homossexual. 

Que sociedade contraditória a nossa! Não permite o beijo gay em novelas, mas acha lindo um final em que um homem se casa com três mulheres. Vive nas igrejas, pregando o perdão, a redenção, o amor, mas acha ridículo que a vilã tenha um final redentor. Quer sempre dinheiro e poder, mas gostaria de morar no Divino. Quem, na vida real, vai preferir o subúrbio à  Zona Sul? Sociedade machista, que acha que nenhum homem pode ser sincero e amar de verdade, já que para todos, Tufão é um bobo.

Sou noveleira. Depois de ser mãe, deixei de ser um pouco. Não acompanhei 10 capítulos inteiros dessa novela, mas sei de cada detalhe, pois o assunto era obrigatório em cada roda de conversa. Quando vi aquela menina ser jogada no lixo, preferi não ver mais nada daquilo. Mas acho que, em tudo, temos que ter olhar crítico. Acho que o "oi, oi, oi" da abertura serve de chamado: "Acordem"! O mundo lá fora nos espera. A vida real está aí, onde somos os personagens principais, e às vezes estamos tão ocupados em comentar a novela, que esquecemos de escrever nossas próprias histórias.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Devaneio

Ana encontrava-se na cama. Lia o conto, cuja protagonista tinha seu nome, de Clarice Lispector. O dia havia sido revelador e ela tentava ler para esperar o sono chegar. Estava aprisionada em pensamentos de uma vida destruída com a morte do marido, há apenas 3 meses. A viuvez chegara para aquela jovem senhora, que não soube lidar com ela. Mas o tempo, esse senhor de todos os destinos, revelara para ela que havia uma gota de esperança. Lia a história de sua homônima, e a catarse experimentada por essa causaram náuseas na viúva. Não sabia se a angústia vinha de sua leitura ou da conversa de mais cedo. 

Um banho gelado! Era o que ela precisava, para esfriar a cabeça daquela mistura de sensações. E quanto mais a água caia, mais Ana ia se perdendo em seus pensamentos, como se aquele banho a limpasse de toda a tristeza e fosse revelando uma nova mulher, limpa de suas mágoas, alvejada, como um papel novo, a espera de uma boa história. Deitou-se na cama vazia, cerrou o livro, tomou seu calmante e começou a  trocar canais da TV. Passaram novelas, propagandas, programas religiosos, desenhos, tudo alheio àquela mulher, que olhava, mas não via, que tinha os olhos semi-abertos pelo cansaço e pelo remédio, mas os pensamentos fechados naquele momento. 

De repente, o telefone toca! Num sobressalto, ela olha para a tela de seu celular, e vê um nome. O nome que ela sempre esperara! O nome que havia despertado nela novamente o desejo de ser mulher e ser feliz! A voz do outro lado da linha, comunicara que o dono daquele nome estava em frente à sua casa, para um passeio. Era tarde! Era insano sair àquela hora! Mas a menina que ainda sonha com o amor, levantou-se, pôs a primeira roupa que vira e saiu em direção àquele nome, sem pensar em nada além daquele convite.

De sua casa, ao destino Ana e seu companheiro conversaram sobre trivialidades. Mas a conversa de cedo, deixara a moça numa tensão velada. Não sabia como manifestar aquele desejo expresso em palavras, não conseguia manifestar em gestos o que desejava. O caminho era curto, mas Ana pensou fazer a viagem mais longa de sua vida. Chegaram à praia, naquela hora, deserta, em poucos minutos. O silêncio gritou no coração de Ana. Saltou do carro, num gesto de reação ao que não sabia ser a ação.

A prainha em que estavam tinha o mar calmo e a lua refletida no espelho d'água, redonda e amarela. Aquele mar tragou a agora menina, pois diante daquela visão, ela simplesmente se viu jovem de novo, adolescente inconsequente. Seu impulso foi apenas um: despiu-se peça por peça e correu em direção ao mar. Ana experimentou de novo a sensação purificadora da água. Aquele banho,como o de cedo, creditara a ela, de vez, o direito de fazer-se de novo! O acompanhante apenas olhara para a cena, extasiado com a beleza daquela  imagem: uma mulher se renovando, se refazendo, se preparando para ele. Apenas para ele. Quis acompanhá-la, mas preferiu observar a metamorfose se realizar diante de seus olhos.

A lagarta virara borboleta! O mundo virou Ana ao avesso! Tirou-a do casulo de sua existência pré-fabricada, forjada pelo desejo de perfeição que sempre buscou, mas nunca alcançara. O mergulho desnudo deu a ela a sensação de nascer de novo, como o bebê que deixa o útero. Deixou o mar com resistência, mas precisava sair dali. Cada passo em emersão, ia trazendo a nova Ana, agora mais forte, mais livre, menos exigente e desejosa de ser feliz, unicamente!

A água e o vento fresco gelaram o corpo da moça, que aqueceu-se numa toalha, sentou numa canga estendida, e aceitou um copo de rum saborizado que seu companheiro lhe oferecera, para se aquecer. O silêncio gritou mais uma vez! Ana apenas olhou naqueles olhos! Nada mais precisava ser dito, nada mais precisava ser conversado. A conversa de mais cedo já revelara o intenso desejo dos dois. Então, sem palavras, os dois tornaram-se um, sem os pudores de outrora, resgatando um sentimento que ficara guardado por muito tempo. 

Mais uma vez, Ana sentiu o  tempo parar. Agora, na tentativa de eternizar aquele prazer nunca sentido. Não queria ir embora. Não queria mais nada no mundo. Queria ficar ali, sendo amada. Queria continuar sedendo aos seus instintos de fêmea, que nunca experimentara sabor semelhante! A borboleta alçara voo rumo ao infinito chamado felicidade! E ali ficaram, Ana, seu companheiro e o sabor do gozo que parecia não ter fim. Não se sabe quanto tempo se passou entre a chegada da lagarta acuada, e o libertar da colorida alma que se fazia nova ali. Terminou de beber a garrafa do rum, pois queria inebriar-se por completo. O porre de felicidade libertador!

Em silêncio, rumaram para casa. Em silêncio, Ana saltou do carro. Apenas sorriu. E aquele sorriso revelara ao companheiro todo amor e toda gratidão que sentia. Ele compreendeu, retribuiu o sorriso, e virou a esquina. Ainda tomada por aquele prazer, subiu as escadas de sua casa, jogou-se em sua cama e permitiu-se apenas a ficar ali, imóvel, com um sorriso nos lábios, com a sensação de ser amada cravada em sua pele, com seu desejo realizado e ainda pulsante. Aquela sensação perturbava-a. Fechava os olhos, para ver e rever na memória o filme daquela transformação.

Quando os olhos se abriram, Ana viu-se na cama, com o livro de contos cerrado entre seus dedos, os cabelos molhados, a TV ligada num canal que desconhecia. Ana sorriu. Sentia sua nova carne, seu novo coração pulsar em seu peito. Sentiu forte o prazer daquele momento. Ficou sem saber se devaneava ou se toda a sua catarse fora real. O sol mostrava seus primeiros raios. De repente, o telefone toca! Num sobressalto, ela olha para a tela de seu celular, e vê um nome. O nome que ela sempre esperara!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Dia do professor

Hoje é dia 15 de outubro! Data que cresci comemorando, pois sou filha de professor, com muito orgulho! Desde a barriga, vivi em escola. Cresci em escola, em salas de aulas, conversas de sala de professor, comemorações e churrascos,e assim, por osmose, fui aprendendo o meu ofício. Ser professora está enraizado em mim, no meu DNA. E tenho orgulho disso! Amo escola, amo aluno, amo essa gente que ouve, que faz bagunça, que desrespeita, mas que só quer um pouco de atenção! E hoje resolvi escrever, não para falar do meu lado professora, mas para relembrar essas figuras essenciais que passaram pela minha vida, e me ajudaram a forjar essa Lívia de hoje.

Primeiro, tenho que falar da minha primeira professora, que, empiricamente, me ensinou a ler e escrever: minha irmã. Em nossas brincadeiras diárias, ela me ensinava o que aprendia, e assim, eu ia evoluindo sem nem mesmo saber. Aos 3 anos entrei para escola, e minha primeira professora de fato foi Tia Márcia. Quem for ao Sagrado hoje, 27 anos depois, vai encontrá-la lá, no mesmo lugar, a mesma pessoa. Parece que o tempo não passou para ela. Ainda do Sagrado, como não lembrar de Tia Dóris, a alfabetizadora. Lembro que tinha medo daquela cartilha, com as letras associadas a desenhos. A primeira era o "L" e a figura era uma lata. Depois as letras iam sobrepondo-se umas às outras e com facilidade, devorei a cartilha. Ler! Minha primeira conquista importante nessa vida! 

Depois vieram o primário e o ginásio. E as coisas das quais mais lembro da escola são os livros, as aulas e professoras de Português. Se me perguntarem sobre meus professores de Ciências, Geografia, Matemática, talvez não lembre de todos, mas as de Português, me lembro de uma a uma, todas mulheres. Sandra, na quinta série, era uma espécie de mãe. Cuidava de todo mundo como filhos. Foi a professora que convenceu mamãe a me deixar ir numa excursão sozinha; Didina, na sexta série, era amiga de mamãe, me conhecia da barriga. Foi ela que me levou a ler "Fernão Capelo Gaivota", história linda, inesquecível; Assunção, na sétima, com suas milhares de frases para análise sintática. Como eu amava essa mecânica, ainda com 13 anos! ; Celma Rosa, na oitava, e as primeiras concordâncias e os primeiros contatos com meus grandes amores gramaticais: as orações do período composto.

No Ensino Médio, tive apenas duas professoras de Língua, que se alternaram nos três anos, entre Português e Literatura. Com elas, aprendi a amadurecer, aprendi como ter professor e amigo, como ser crítica. Com elas, conheci Machado de Assis, Fernando Pessoa, os "ismos" que me acompanhariam para o resto da vida! Obrigada Amanda e Hélida por me fixarem nesse mundo das Letras, por me darem essas raízes! No Rui, outras figuras memoráveis, que não podem ser esquecidas: Babade, Valéria, Carrerete, Carlinhos, Márcia, Valesca, e outros mais. Cada um com seu jeito próprio, mas com algo em comum: o amor! Ali aprendi o que é amar de verdade ser professor! Ali, me convenci de que eu e a escola tínhamos um caso de amor interminável e que esse era meu destino e não tinha mais como fugir.

Fui fazer Letras e aí o encanto se fez de vez. Me entreguei a esse mundo, de corpo e alma. Me deixei levar pela sintaxe, pela Literatura, pelas regras, pelo domínio e fascínio que essa nossa Língua Portuguesa tem. Não dava mais para voltar atrás. Na verdade, já estava ali, intrincado no meu ser, como parte dele, assim como a pele, o sangue e o coração.

Obrigada, professores, por serem quem foram na minha vida! Por cada exemplo, positivo ou negativo. Por cada aula, cada projeto maluco, cada momento sentado naquelas carteiras! Até hoje tenho saudade de ser aluna! Mas tenho orgulho de ser professora! Cansa, desmotiva, é desvalorizado! Mas não me vejo sendo outra coisa. EU SOU PROFESSORA! Assim como sou Lívia, assim como sou clara, assim como sou baixa. Está em mim e é pra sempre!

A todos, um Feliz Dia dos Professores!


domingo, 14 de outubro de 2012

Matar e morrer

Morrer de frio
Morrer de medo
Morrer de tédio
Morrer de repente
Morrer de rir.

Matar a sede
Matar a fome
Matar a pau
Matar a vontade
Matar a saudade

Dentre tantas formas de morrer
Dentre tantas formas de matar
Quero que você em mim morra
Quero que você me mate
Na que julgo melhor delas,
Que é morrer de prazer!


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Toda quarta, graças ao futebol, mudo de canal assim que acaba a novela. Ontem, tive o prazer de assistir ao programa do Pr. Fábio de Melo, na TV Canção Nova. Como é bonito tudo o que ele fala, cheio de realismo, de pé no chão, diferente do que muita gente pensa que pode dizer um padre. E ontem ele falava sobre como hoje em dia as pessoas se deprimem e atribuiu ao fato de hoje termos muitas possibilidades de escolha. Disse ainda que, antigamente, as pessoas tinham menos e viviam melhor, pois aproveitavam as coisas mais simples da vida. E que quanto mais temos, vamos ficando mais pobres em termos de relações, de cultura, de contato.

Fiquei pensando que isso realmente é uma verdade. Minha avó, por exemplo, tinha minha idade há mais ou menos 50 anos. Deve ter cursado apenas o Ensino Fundamental.  Mas sabe falar corretamente, escreve sem erros, diferente de muitos graduados que temos aí. Vovó não ouvia essas músicas de hoje, que nada acrescentam em temos de letra e poesia. Vovó ouvia música boa, lia nomes da Literatura nos jornais. E isso enriquece a alma! Uma boa música, um bom livro, hábitos simples enriquecem qualquer espírito!

E lembrar de Vovó é lembrar um pouco de mim. É lembrar das brincadeiras na praça da Gamboa com meus primos, do futebol de lata, do bote no Canal, da "bicha que não pega", de catar guando no pé, de subir na goiabeira. E não há nada no mundo melhor que a casa de vó, que a comida de vó, que descansar na cama da vó, que sentar e escutar as histórias antigas, e ainda ouvir, ao fim delas, a inocente pergunta: "você lembra?"

Não Vó, eu não me lembro das suas histórias! Mas guardo cada momento que passei com você, cada coisa boa que ouço, cada detalhe para um dia perpetuar essa história. Que bom que esse texto mudou seu rumo original e acabou virando uma homenagem! Assim que acabar de escrevê-lo, posso imprimi-lo e dar a vovó como forma de agradecimento, ainda em vida. 

Obrigada por fazer o melhor feijão do mundo, por nos ensinar  a gostar de carne seca com maxixe, pelos domingos de churrasco e almoço em sua casa, por nossas conversas longas na mesa de café, pela preocupação com o meu almoço, por sempre cuidar de tudo e todos e ser a última a sentar à mesa, por ser Dona Irene, Tia Irene, Tia Dete, Mãe, Vó e Bisa! Obrigada pelos banhos de tanque, pelo mesmo nome nos  bichos,por me deixar catar acerola no pé, por suas histórias engraçadas, pela sua força que transborda, pelo seu exemplo de mãe e mulher, por nos ensinar que podemos carregar nossas cruzes com alegria e força. Obrigada por cada palavra que me diz, e que me faz ter certeza de que tudo pode dar certo. Só quem é "Ramos" entende o sentido de cada uma dessas coisas! Obrigada, Deus, por permitir que eu tivesse esse exemplo!

Por fim, agradeço ainda por minha filha ainda poder conviver com ela. Porque ter vó é bom, mas Bisa é  melhor ainda! E ainda bem que Malu tem Bisa, e ela é o maior barato!

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O dia depois de ontem

"Todo carnaval tem seu fim!" Essa foi a impressão da manhã de hoje. Saí cedo de casa, pois meu pão eu ganho com trabalho, e a sensação na rua era de uma quarta-feira de cinzas. Os restos de ontem ainda espalhados no chão, santinhos, garrafas, poucos transeuntes, quase nenhum carro. Pequenos grupos  comentavam o assunto  do dia anterior. A impressão que tive foi que a cidade amanheceu de ressaca. Que rumo tomará a nossa Cabo Frio? Quantas perguntas ainda a serem respondidas! Quantas conclusões a serem tiradas!

A primeira delas é a que esse judiciário do nosso país é mesmo cego, surdo e mudo. Como que o órgão que deve garantir justiça para todos, permite que os municípios vivam essa instabilidade e insegurança? Os julgamentos da Justiça Eleitoral deveriam ser realizados sempre antes dos pleitos . Será que ficaremos mais quatro anos ouvindo que' "segunda-feira ele entra"? Ficaremos mais quatro anos esperando que se faça alguma coisa e ver nada acontecer com a desculpa de que "não fiz porque o outro não me deixa governar"?

O que esperar agora? A nós, pobres cidadãos, resta apenas esperar. Esperar que um juiz decida que um ficha suja, aclamado pelo povo, eleito pelo povo, pela maioria do povo, pode ou não governar essa cidade. Pior é saber que a maioria quer isso para o município: um rei que em vez de coroa, usa peruca; que alimenta a política do turismo pão com mortadela; que acha que é dono da cidade, e não um mero servidor do povo; que já foi prefeito por 3 vezes e parece acreditar que  É, e não que ESTÁ; que diz que vai fazer pelo servidor público, mas pratica a política do abono e não do aumento; enfim, se formos enumerar toda a contradição desse senhor, não teríamos páginas suficientes.

Ás vezes eu penso que a ignorância é o mal da nossa sociedade. Ignorância no sentido próprio da palavra. Ignorante: aquele que ignora, que não sabe. Ontem pude perceber como somos um bando de ignorantes! As pessoas preferem permitir que o mal estar se instale na cidade, por ignorarem as consequências. Todos sabiam que a candidatura estava impugnada e os motivos dessa impugnação. E preferiram ignorar, pois os benefícios particulares sempre se sobrepõem ao bem comum. Ignoram porque dependem de uma eleição para garantir quatro anos de emprego. Ignoram porque nunca se esforçam para conseguir nada por mérito próprio. E vão ficando mais ignorantes, pois perdem a capacidade de pensar, de refletir, perdem o poder de  criticar, pois quanto mais dependem , menos pensam!

Prefiro, sinceramente, que o TSE defira a candidatura e que ele possa governar quatro anos sem demandas judiciais. Cada povo tem o governo que merece! Isso é fato. E vamos ao "pão e circo", vamos aos fogos, às pedras de isopor e chafariz na beira da praia, às escolas em casas alugadas, e a tudo mais que estamos cansados de saber. Mas parece que o povo não está. É disso que o povo gosta, então é isso que o povo merece.

Nos tornamos uma cidade sem lei, sem governo, e nem sequer podemos dizer quem é o prefeito eleito. Nos tornamos uma cidade onde vai imperar a boataria, as discussões, o disse me disse. E para terminar, uma pergunta que me faço desde ontem : "O que deu certo"?



domingo, 7 de outubro de 2012

Eleições

        Hoje, mais uma vez, o povo vai às urnas para decidir o destino da nossa cidade. Sempre gostei mais das eleições municipais, pois ela nos é mais próxima. Lembro-me de quando era criança e as cédulas ainda eram de papel. Meu pai trabalhava na eleição e eu, minha irmã e os vizinhos ficávamos em frente ao Rui Barbosa até o dia acabar, catando santinhos e brincando. Doce tempo em que a eleição era apenas uma brincadeira!

        Com 16 anos enfrentei uma fila enorme no fórum, que ficava onde hoje é a Prefeitura. Saí de lá com orgulho: meu título de eleitor. As eleições eram presidenciais, em 1998, quando FHC foi reeleito com meu voto. Foi nessa época também que tive a oportunidade de votar em Brizola, que disputava uma vaga ao Senado. Felizmente pude realizar esse voto um dia na minha vida! Cresci em meio a professores, que tinham nele uma espécie de ídolo. E esse crescer em meio a greves e assembleias foi me dando consciência política. Esse crescer em  uma família em que o voto não garante emprego, foi me abrindo os olhos à crítica, a não idolatria, a perceber os caminhos e descaminhos dessa democracia.

             Aos 18 anos, votei pela primeira vez para prefeito. Não me lembro de quem era o candidato na época, mas o meu vereador foi Jânio Mendes. Voto do qual nunca me arrependi. Vereador que realmente soube fazer oposição, ainda que fosse uma voz sozinha. Desde então, meu voto sempre foi de Jânio. Não apenas pela minha simpatia por Brizola e seu partido, mas por ver que alguém era digno de me fazer sair de casa para receber meu voto. Para tudo que ele disputou nos últimos tempos, meus votos foram dele. E lembro que há quatro anos, quando Jânio lutava sozinho, eu dizia à mamãe: "a eleição de Jânio será daqui a quatro anos."

           Passaram-se os anos, muita água passou debaixo da ponte do Canal do Itajuru. E eis aí mais um pleito. Batalha difícil, entre aquele que cresci aprendendo a "odiar" e aquele que cresci admirando. Voto fácil esse? Não. Acho que a candidatura do 12 teve apoios um tanto quanto duvidosos. E não sei se na vida realmente vale tudo para se chegar onde se quer, ainda mais na política. Mas entre o velho, a megalomania, a ditadura, e quiçá, a insanidade, e o novo, a possibilidade de renovação e mudança, fico com a segunda opção.

                De olhos abertos, pois tenho medo de que essas alianças possam trazer consequências, e que talvez os projetos e propostas não consigam ser colocados em prática, por conta do "toma lá, dá cá". Mas algo me diz, dentro de mim, que aquela minha esperança juvenil estava certa. Algo me diz que o menino que minha vó deixava entrar na escola pra vender doces vai ser o melhor prefeito que essa cidade já teve. Pode ser sonho, mas "os sonhos não envelhecem." 

           Não ganho nada com esse apoio, hoje tenho 30 anos e 2 matrículas públicas conquistadas por méritos meus, mais um emprego particular. Mas acho que política não é o que se faz em favor do umbigo e sim pelo melhor para todos. E, para mim, o melhor para todos, definitivamente não é quem teve 14 anos para fazer e não o fez. Não é quem tem a ficha mais suja do que um pau de galinheiro. Pode ser que eu me engane, e tenha uma grande decepção, mas prefiro apostar no novo.

             Hoje à noite, quando soubermos o resultado, uns vão chorar e outros, comemorar. Para mim, pessoalmente, nada muda. Meu emprego, minha casa, minha vida não dependem desse desfecho. Mas espero que quem possa sorrir seja a população cabo-friense durante os próximos quatro anos!

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Poeminha ao acaso


As horas antes vazias
Agora passam cheias!
A noite antes escura
Verteu-se em aurora azulada!
O pranto de outrora
Começa a se transformar em sorriso.
Antítese?
Paradoxo?
Metamorfose!