quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O mundo é um moinho

Ainda era cedo. Mal começara a conhecer a vida. Tinha 18 anos, muitos sonhos, desejos, projetos e vontade de sair, de buscar, de ir além. Sua mãe era professora e seu pai fazia bicos para ajudar com alguma despesa para casa. Mas as despesas que fazia nos bares da vida era sempre maior e levava tudo do pouco que conseguia. Sobrava para mãe, então, o prover da casa. Era uma mulher dura, calejada pelo tempo, com marcas severas que a vida deixou, tinha um ar pesado, uma obrigação, um porte militar, que parecia uma espécie de defesa. Enquanto o pai tinha um ar mais solto, um jeito despojado de ver a vida, de consumir arte, de criar, de um porte leve,  por vezes irresponsável. A menina não entendia ainda como estavam juntos aquele tempo todo, com toda essa incongruência, essa contradição e esse jeito totalmente díspares de enxergar a vida.

A adolescência a marcara de forma especial. Estava em cima de um muro, sem saber para que lado pender: o rigor, o dinheiro e a razão ou a loucura, a criatividade e o desprendimento. Procurava um ponto de equilíbrio, mas ele nunca vinha. Tinha um jeito diferente de ser, era passional ao extremo, não conseguia racionalizar nem mesmo uma equação matemática. Preferia as matérias subjetivas, o particular no lugar do universal. Lia livros que seus colegas sequer imaginavam ter nas mãos, buscava músicas novas, sons diferentes. Mas também gostava da cultura de massa, do que era comum, dos problemas sobre matrizes e determinantes. Era realmente uma pessoa de muitos lados, muitas faces, muitas possibilidades. 

Preferiu, então, sair do muro e cair na vida. Anunciou (com a licença da rima), a hora da partida. Não sabia que rumo ia tomar, mas tinha certeza de que ali não era mais lugar para sua condição ambígua, seu desejo de ganhar o mundo, de ir além do que os limites a colocavam. A mãe, com seu ar severo, jogou na cara todo o sacrifício que fizera esse tempo todo, lembrou cada centavo que investiu em sua educação, cada hora de trabalho que suou em prol de seu bem estar. Seu pai, com sua insanidade latente, nada disse. Não lhe lembrou dos passeios, dos álbuns de figurinhas, dos discos de vinil, da rotina de jogar o cobertor sobre a menina, de pegar seu garfo favorito. Apenas lhe disse uma frase, que a princípio não teve sentido, mas adquirira um certo tom profético:

- "Preste atenção! O mundo é um moinho!"

Ela apenas sorriu, como sempre fazia dele, ignorou a rabugice da mãe e foi para vida. Era bonita, com os cabelos longos e lisos, um sorriso bem feito por aparelhos ortodônticos, um perfil esguio e de aspecto saudável. A princípio foi fácil. Onde chegava, despertava o interesse das pessoas, conseguira um bom emprego, que lhe valia o sustento. Mas em pouco tempo não seria mais o que era. Sua necessidade de dinheiro a aproximaram do estilo de vida da mãe, e  afastaram do jeito desprendido de levar a vida, e tudo agora virara obrigação. Tinha que dar conta da casa, das contas, da limpeza, da comida e não sobrava tempo para ler seus livros, ouvir suas músicas. Tornou-se uma pessoa entediada, sem graça, sem vida. Não sabia mais quem era, onde estava sua identidade, quais eram os seus gostos e seus desejos. 

Foi quando enlouqueceu! Não sabia mais sustentar sua vida de brinquedo,de um ar que não era dela, e decidiu ser livre. Vivia nos botecos da cidade, à base de cachaça pura e petiscos gordurosos. Já não era mais esguia e seus dentes começaram a trazer as marcas do desleixo. Em cada esquina, caía um pouco a sua vida. Em cada uma delas, achava um "amor de Saquarema", tão duradouro quanto o valor que se dispunham a pagar. Vieram muitos homens, de todos os jeitos e raças, de diversos credos e opções políticas. Eram vários, mas tinham em comum a capacidade de fazê-la cega de amor, de desejo, pois já não distinguia o que era certo ou errado. Era como uma fêmea no cio, um animal movido à emoção e instinto. De cada um deles, herdara apenas o cinismo.

Era outra mulher! Não tinha mais os sonhos da infância. Talvez nem tivesse sonhos. Já não conseguia mais distinguir o que era sonho e realidade. Vivia num mundo onírico, via figuras invisíveis, conversava com seus poetas e compositores favoritos, como se eles ali diante dela estivessem. Já não tinha mais casa, não tinha bens, não tinha nada. Nem mesmo a sua beleza e seu sorriso, sua inteligência e sua razão. Já não lia mais, não ouvia músicas, vivia nos becos, nos bares, na rua, no relento. 

Em um sábado qualquer, estava à porta de um boteco quando o dono do mesmo ligou sua vitrola. Ela parou ali, numa tentativa de lembrar-se de quem tinha sido, do que era e pra onde iria. A agulha ia passando sobre o disco em movimento, quando fez soar a frase de seu pai, numa música da qual ela já havia esquecido. Num momento de lucidez, lembrou-se de sua casa, de sua mãe e seu pai, do jeito que herdara de cada um e que agora havia desaparecido. Ela era um monte de nada cheio de lembranças. Lembrou-se da sua mãe, de tudo de material que ela havia lhe provido, da sua casa, sua cama, sua estante de livros e seu guarda-roupas. Lembrou-se de seu pai, ao violão, tocando aquela canção de maneira que a fazia rir, pois quando errava alguma nota, repetia insistentemente a frase, como um disco riscado. Lembrou-se das escolhas que fizera, do mundo que encontrara, que destruiu seus sonhos e reduziu suas ilusões.

Quando saiu de casa, queria apenas seu lugar na vida, queria apenas um jeito de ser diferente de sua mãe, e conseguir sorrir das situações da vida, descontrair um pouco, mostrar ao mundo sua gargalhada. Só queria apenas um jeito de ser diferente de seu pai, de ter um pouco mais de responsabilidade, de capacidade de pensar, de poupar, de gerir. Queria ser um misto de razão e emoção. Queria ser em cima do muro pro resto da vida, descendo para o lado que necessitasse de vez em quando. Queria equilibrar o diabo e o anjo de sua consciência. Mas não sabia fazer escolhas. Tinha o dedo podre! Na hora de ser racional, entregava-se às paixões. Na hora de emocionar-se, endurecia feito gelo. 

Tentou fazer um caminho de retorno. Conseguiu um novo emprego, com baixos proventos, suficientes para lhe pagar o aluguel de um quartinho de pensão. Quando deu por si, o tempo tinha passado sem que ao menos tivesse cursado uma faculdade, sem que ao menos tivesse aprendido a tocar na noite e ganhar algum dinheiro com isso. Não tinha sido nada, não tinha construído nada, não tinha amado o suficiente, não tinha prendido ninguém. Percebeu como fora egoísta consigo mesma. Estava se refazendo, sua pele estava limpa novamente, seus dentes foram tratados pelo patrão, seus cabelos eram vivos novamente. Sua razão recobrara-se, e quando viu, estava à beira de um abismo. Abismo que cavara com seus pés!


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Aprender

E com o tempo a gente vai percebendo que a chuva passou e ainda estamos de pé, apesar dos estragos. Que o sol sempre nasce depois da madrugada fria, e que o tempo não para e a gente não morre de amor. Que a cicatriz vai ficar ali, em alguns dias vai doer, mas a cabeça permanece erguida e o sorriso permanece nos lábios. E vamos contabilizando as perdas e observando que às vezes muitos ganhos estão ali disfarçados. Vamos entendendo que não perdemos muito e sim conquistamos a chance de ser mais e melhor. A gente percebe que tem o direito de estar magoado e mordido, que tem o direito de ser egoísta e de ter sentimentos de vingança, e isso não é feio, é apenas uma espécie de defesa. A gente vê que psicólogo não é para maluco, e sim para evitar que abramos a nossa porta da loucura, pois todos a possuem. E que a abrirmos um pouco, de vez em quando, é uma maneira de escapar dos dias chatos de total lucidez. A gente percebe que estamos amarrados em camisas de força invisíveis e que temos que nos permitir livrar delas. A gente vai encontrando histórias bacanas pra ler, como a do "Urso e a Panela", e vai vendo que muitas vezes, estamos nos queimando sem nem nos dar conta e ainda achamos que isso é legal. A gente vê que oração, bons livros e boa música são o melhores remédios pra dor, que vão acalmando o coração e colocando as coisas nos eixos, ainda que em meio a lágrimas. E vai vendo que é capaz de sentir de novo. Que é capaz de amar de novo. Que é capaz que acreditar que pra todo fim há um recomeço. E há. Sem sombra de dúvidas!
A gente sente de novo a vontade de olhar um perfil de rede social com afeto, de estar ao lado daquela pessoa, ouvir as mesmas músicas, partilhar poemas, histórias. A gente tem o desejo de repetir os beijos, os desejos, os amassos. Fica ansioso aguardando um menor sinal de correspondência. E ele vem, nem que seja nas entrelinhas. A gente tem vontade de apenas estar perto, ouvir a voz, mesmo que ela nos desfie os nossos defeitos na cara, mesmo que ela seja de uma pessoa rabugenta e racional por aparência, mas que no fundo, bem no fundo mesmo, tem os mesmos sentimentos de mágoa e mordida. A gente tem vontade de entrar e sair, partir e chegar, de sorrir junto de novo, de fazer careta, de zoar com a cara , de ironizar, de esconder segredos bobos, de preparar surpresas, de dividir, de somar e não sumir da vida do outro. Tem desejo até mesmo de se permitir sofrer de novo, de outra maneira, porque agora já sabe lidar com a dor. Não tem medo de se jogar, de mergulhar fundo, pois se afogando a gente aprendeu a nadar. E porque aprendemos que se há um órgão que se regenera no ser humano, esse é o coração! Que a cada dia, a cada experiência, a cada negativa, a cada parada, vai se fazendo forte, vai se fazendo novo, vai se fazendo, se cerzindo, se emendando, cada dia mais, cada dia novo, cada dia mais novo! E a gente percebe que só se é feliz por completo quando já provou alguma dor. E descobre que "só quem já perdeu na vida sabe o que é ganhar, porque encontrou na derrota algum motivo pra lutar. E assim, viu no outono a primavera. Descobriu que é no conflito que a vida faz nascer!"


sábado, 15 de dezembro de 2012

Poema concreto ou Avesso

A vida ao avesso,
O abcesso, o inverso,
O pregresso, o reverso,
A dor, confesso,
Sem retrocesso,
Caminho de sucesso,
O que vem está expresso,
Está registrado!
Maktub!
Youtube
Está gravado
Está marcado!
Irriquieto
Não é terceto,
Nem sequer é soneto!
Poema concreto

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Contrários

Na escola da vida,
A gente vai aprendendo
Que antítese é bem mais que jogo de palavras.
É jogo de contradições,
De dois lados da moeda,
Da triste condição,
De ser um e ser contrário de um
De ser sóbrio, mas permitir inebriar-se
De ser são e louco,
Muito e pouco
Ser crepúsculo e ocaso
Ser vazio, cheio, fundo e raso.

É tanta oposição,
Que nem sempre é atração!
Vejo como indecisão, contradição,
De quem sempre disse não,
Agora vai na contra-mão.
Do amor, da história, da memória.
De ser agora aquilo que nunca fora.
De transformar a repulsa em escolha.

O que era doce, de repente fica amargo.
O que era certo, tornou-se o mais errado.
Não tinha remédio, agora está remediado.
O que era festa, virou entediado.
Era riso, virou pranto,
Ou pelo menos amarelou aquele encanto.
O que era barato, agora virou caro.
Era pleno, está raro.
Era encanto, agora, precário.
Era resposta, agora, questionário.

É confuso, é difuso
É imaginário.
Qual das facetas é a real
Em meio a tantos contrários?
O gordo ou o magro?
O egoísta ou o perdulário?
O bravo ou o calmo?
O sorridente ou o plácido?
O bêbado ou o ébrio?
O macumbeiro ou o evangélico?
O que se aproxima ou o que dista?
A verdade ou a mentira?
O amor ou a repentina ira?

Antítese é bem mais que jogo de palavras.


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Oito dias de solidão ou O sistema planetário de Úrsula

Por algumas vezes na minha vida, me deparei com o livro "Cem anos de solidão" nas mãos para ler e não o fiz. E agora, depois de tantos desencontros, acabei me enredando nessa empreitada, que, para mim, não teve nada de difícil, mas sim, foi um trabalho prazeroso e mágico. Comecei a história numa terça-feira de feriado, em que as circunstâncias me permitiram um momento de isolamento e silêncio, e cada pausa foi marcada por um clips infantil que fixara a página a ser relida. Já de cara percebi que aquele livro me marcaria para sempre, e a vontade de marcar cada passagem foi enorme! Mas o livro não era meu. Peguei uma agenda velha (era o ser "escrevível" mais perto) e comecei a anotar ali meus trechos favoritos, minhas observações sobre cada personagem, as frases mais interessantes. Por conselho, resolvi traçar a árvore genealógica dos Buendía. Peguei uma no google, e pintei com marca textos, conforme no site: de verde, os da estirpe e de laranja, os agregados. Troquei o clips pela folha pintada, e embarquei no mundo mágico de Macondo.

Uma vez, na época da faculdade, quando tive, como muitas outras vezes, com o livro de capa dura azul e folhas amareladas para ler, uma amiga me disse que seu pai lhe dissera que ele mesmo, quando jovem, lia o livro, arrancando cada página lida e jogando-a fora, pois para ele esse era um livro para ser lido apenas uma vez na vida. Concordo plenamente! Não fui eu mesma arrancando as páginas, pois depois haveria de restituí-lo ao verdadeiro dono, mas para esse livro não há releituras ou retificações. Não há como esquecer cada palavra, cada cena, cada figura que por ali desfila, num enredo de cem anos. Tudo é impressionante e mágico nessa história de família, que se identifica com qualquer história de família. Sem o olhar da minha formação em Letras e sem pensar em fatos históricos, mergulhei nela, como se ali visse meus antepassados, meus contemporâneos e meus descendentes. Não é preciso ler de novo esse enredo, pois ele é recontado todos os dias. Além de ser simplesmente INESQUECÍVEL!

E, durante oito dias, mergulhei na solidão mais perfeita desse mundo, que é estar só e ao mesmo tempo acompanhada, peguei meu bilhete de ida e atravessei com José Arcadio e Úrsula, à cidade de espelhos, fundada pelo casal e que estava fadada à delícias e dores. E ali fui vivendo, como se o DNA Buendía corresse em minhas veias, vendo ali os tipos típicos com os quais vivi meus trinta anos. A figura de Melquíades, com suas mãos de pardal, sua delirante volta ao mundo e sua escrita profética; o patriarca com sua alquimia; o Coronel Aureliano e suas trinta e duas derrotas; Amaranta e seu ódio revestido de amor, ou amor revestido de ódio; Rebeca, a portadora da peste da insônia, com sua deliciosa mania de comer cal; Arcádio, o primeiro ser que nasceu em Macondo; a sucessão de Arcadios e Aurelianos, como se a vida estivesse sempre em elipse, e todos realmente vivessem refletidos em espelhos.

Com maestria, Gabriel García Marquéz, vai levando-nos à cenas impressionantes, à delírios deliciosos, a uma emoção latente, num misto de emoção e tristeza. Nesses oito dias, de minha própria solidão, meu  coração foi arrebatado pela vontade de viver cada uma daquelas cenas mágicas que ali se apresentavam: o cinto de castidade de Úrsula, a tala negra de Amaranta, a paixão militar de Aureliano, as tatuagens de José Arcadio,  a subida aos céus de Remédios, a chegada da peste da insônia, o trem amarelo portador das mudanças, os fantasmas que rondavam a casa, as borboletas amarelas, a fertilidade sem filhos de Petra Cortes, enfim, a cada página, desfilava um mundo onírico e real, beirando não apenas às antíteses de loucura e sanidade, céu e inferno, dia e noite, prosperidade e decadência, mas ao paradoxo de sonhar acordado ou acordar sonhando. 

E nesse mundo mágico, de tantas figuras semelhantes e distintas, uma em especial roubou meu coração: Úrsula. A matriarca, que fugira de sua cidade com seu primo para formar um novo mundo, é, com certeza, uma das personagens mais sensacionais que já li. Em algum momento da narrativa, a família é descrita como o "sistema planetário de Úrsula." Marquei com mais ênfase essa frase e com certeza, nessa história de desatinos, ela era o centro. Pioneira, empreendedora, com seu cinto de castidade, seu senso de realidade, sua sanidade em meio àquele mar de doces loucos, sua impressionante visão, apesar da cegueira, fazem dela o eixo fundamental dessa história. Sua presença permeia praticamente toda a saga da família e é ela quem segura, quem luta, quem levanta, quem consola, quem percebe, como se fosse a única diferente em seu meio. Seus pensamentos, suas colocações, suas percepção são fantásticas! A mulher que tinha um escorpião no coração chagado, foi a única a perceber que o tempo parecia dar voltas e a história sempre se repetia.

Tão grande era essa força da presença de Úrsula, que ao meu ver, não foi a chuva que deflagrou a derrocada de Macondo, mas sim a morte da matriarca e a sua capacidade de reconstrução, de erguida daquele povo, daquela casa e daquela família. Sem Úrsula, acabava também a lucidez, a energia motriz, como se o sol tivesse acabado e a sobrevivência depois disso fosse durar realmente muito pouco. Essa figura da força feminina me foi inspiradora. Dentro de mim,  cada página lida foi arrancada, cada palavra foi gravada na minha alma, e a figura dessa mulher que chorou ao saber que, um dia, fora boneca nas mãos das crianças, que viu seu marido definhar embaixo de uma amendoeira, que soube, acima de tudo, amar, ganhou um espaço que nunca vai se apagar. A chama de Úrsula vai permanecer sempre acesa.

A estirpe Buendía, cujo último representante tinha o rabo de porco tão temido por Úrsula, estava fadada a cem anos de solidão, conforme registrou em sânscrito o cigano, conforme decifrou Aureliano Babilônia, e não teve "uma segunda oportunidade sobre a terra". Não com esses nomes e essas pessoas. Mas, outras estirpes estão por aí, desfilando seus destinos, suas histórias, suas mazelas e suas alegrias, seus loucos e seus aristocratas, suas qualidades e seus defeitos. Aqueles se foram na poeira de Macondo. Mas continuam peregrinando como fantasmas. São "Ramos", "Pimenta", "Silva", "García". Somos todos nós, condenados à uma deliciosa e inevitável vida de anos de solidão.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Olhos de ressaca

Estava vendo alguns catálogos de livros para escolher os paradidáticos para 2013 dos alunos da escola onde trabalho. E de repente, em meio a um mar de livros, surgiu aquele que marcara a minha vida feito brasa em pele. Não pelo fato de ser formada em Letras. Antes ainda, já tinha me tomado por essa força que emana do livro. Cheirei o exemplar, como sempre faço com livros novos, para sentir novamente a mesma maravilhosa sensação. E comecei a folhear, olhando as páginas à revelia, até que me surgiu esse trecho:

“Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles
olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles 
foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. 
Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga 
que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes 
vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as 
pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e 
tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse 
tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de 
querer saber a duração das felicidades e dos suplícios.” (Dom Casmurro, Machado de Assis)

O que esse livro representa pra mim é mais que o fato de ser uma grande obra da Literatura Brasileira. "Dom Casmurro" são os olhos ressaca, que me arrastam para dentro. E por quê? Por causa dela: a cigana oblíqua e dissimulada. Capitolina, aquela que de dissimulada, ao meu ver, não tinha nada! Betinho que era fraco, ingênuo e mimado. Capitu era o que era! Tinha uma personalidade forte, sabia o que queria da vida, mas não dissimulava. Era mais inteligente que Bento, mais livre que ele. Ela é um capítulo à parte nessa narrativa, que nos mostra uma mulher descrita por um narrador velho, amargurado e rancoroso da vida.

Bentinho aceitava qualquer prerrogativa que lhe impunham, pois não sabia pensar sozinho.Fora José Dias quem o alertara, numa conversa que ouvia escondido, sobre seu fascínio. Vivia numa severa obediência à Dona Glória, o que o tornou um ser manipulável, passivo, assistente da vida e não agente. E ao encarar os olhos da ressaca, permitiu-se entrar nela, pois somente sabia seguir. E Capitu tinha sim seus encantos. Ela era cheia, intensa. Era a cigana e, com sua dança, ia envolvendo Bentinho no seu jogo. Não por interesses outros, mas por gostar dele. 

Mas a narrativa do já casmurro, infeliz e solitário, que não tinha mais àquela época da vida quem o conduzisse, nos leva a acreditar em uma senhora leviana, que o traíra com seu melhor amigo. A visão realista da época, com seu olhar cientificista, não soube questionar Bento. Colocaram Capitu no banco dos réus. A traição aconteceu! Ele assim o disse. E não há o outro lado da história para pôr essa verdade em prova. Só que o tempo mostrou que em "Dom Casmurro" não pode haver verdade absoluta justamente por isso. O narrador em primeira pessoa conta apenas o seu lado da história.

E quem é esse narrador? Alguém que a todo momento evidencia não se recordar com clareza os fatos do passado. Um homem dependente e obcecado, que tenta reconstruir seu passado copiando a antiga casa, numa tentativa de resgatar o que nunca fora. Um homem que fora um menino frágil, que tinha ciúmes da amiga até mesmo com um vendedor que passava. Um homem com o coração chagado por uma mágoa infinita, que, com a maturidade, reconheceu que Capitu era mais mulher do que ele era homem. Um homem com h minúsculo. Que isenção pode haver nos relatos desse Dom?

Capitu tinha sim olhos de ressaca. Trazia Bentinho para ela, sugava-o para dentro daquela beleza, do qual ele não conseguia fugir. Os olhos o atraíram tanto que ele permitiu que fossem seus próprios olhos. Ele só sabia olhar por eles, só sabia se conduzir por essa visão. Na cena acima, Capitu não desvia seus olhos, mas ele se permite buscar outras partes dela. Não encara. Não se mostra. Até que se rende àquele olhar, à dança da cigana, à mulher inteira que ali se desfigura, ainda que menina.

Ao fim do romance, ele questiona se a Capitu adulta já estava na menina da Praia da Glória. Acho que ele acabou se trocando por ela. Ela sempre foi o que era. Mas o que ele não conseguiu enxergar é que o Bentinho de Mata-cavalos e o Dom Casmurro estavam um dentro do outro, "como a fruta dentro da casca". Nunca se permitiu brotar, nunca se permitiu amadurecer. E quando perde seus olhos, não consegue sequer, contar a história da sua vida sozinho! Quis o destino que acabasse se confundindo e nos enganando. "Que a terra lhe seja leve! E vamos à História dos Subúrbios."

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Eterno retorno

Pensando no que se foi
Na espera pro que há de vir
Olhando a vida que segue
Só consigo enxergar o outro.

Grande artista,
Impressionista,
Talvez egoísta,
Quiçá realista,
Que eu, com minha vista,
de águia, percebo que dista.
Estrategista.
Talvez não insista
Resposta prevista!
Dos meus pensamentos,protagonista
Do meu amor, antagonista.

Eterno retorno,
Dos sonhos, adorno
Do meu corpo, contorno
Será que há suborno?
Por que nunca acho a resposta?
Questionário,
Em que dia do calendário?
Deixará de ser adversário
Deixará de ser essa rocha
Deixará que nossos olhos se encontrem
Deixará tudo fluir.

Enigma,
é ele.
E eu?
O que sou?



quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Primavera manuscrita

De tanto apanhar, um dia a gente aprende a bater. Cansei de tomar rasteira e ver minha cara esfregada no chão e ainda levantar sorrindo. Chega! Não vou mais permitir que me cortem até sangrar e tomar analgésicos para ver se a dor passa. Cansei de paliativos! Quero soluções. Não vou mais permitir a dor. Não vou dar meu coração, com faca e queijo na mão para despedaçarem. Não vou mais esperar que alguém me traga rosas. Eu mesma vou até lá buscá-las, nem que seja na floricultura. Cansei do raso. Prefiro morrer afogada no mar de minhas lágrimas a ser um sorriso no porta-retrato que vai desbotando com o tempo. Quem não se aprofunda, acaba boiando. Quero "o açoite das palavras rudes, para que eu possa me defender com atitudes." Faço questão de tudo agora: do último gole, do último abraço, do último centavo. Mudei de rumo, mudei de rota, mudei de caminhos. Do salão até minha casa, passo por novas ruas. Quem sabe não me dou com a sorte? Com a "sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida", com a sorte de ouvir aquela cantada de pedreiro que  levanta o astral, com a sorte de encontrar minha loja favorita em liquidação, com a sorte de achar aquele filme que procuro há séculos disponível para ser alugado, e talvez, sem pedir pouco, com a sorte de achar o bilhete premiado da Sena. Os dias passam, e assim a casca vai ficando mais dura. Menos pessoas passam a merecer minha atenção. Menos pedidos passam ser feitos. Menos cobranças, mais sorrisos, mais amigos, mais música para dançar, mais desejos para realizar. Liguei minha geladeira. Me perturbou? Dou gelo. Aprendi a ser inverno, a trovejar, a fazer chover. O outono veio e me desfolharam como a uma árvore. Fui podada, mas o mais importante ficou: as raízes. E agora, a primavera traz novos galhos, dessa vez frondosos, e lindas flores. Quem quiser, abrigue-se em minha sombra. Caso contrário, mando logo um palavrão. Quem estiver disposto, vai ter de mim as flores. Mas quem me perturbar, vai ganhar é meus espinhos. E que venha o verão!

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Bom dia

Acordei com seu cheiro,
feito cravo em minha pele.
Meus instintos de fêmea,
Mar Vermelho que não se abriu
Ondas que varreram as palavras
Promessas que ficaram por cumprir.

Não foi um erro!
Mas merece acerto!
Concerto de notas singelas,
Conserto de gestos e atitudes.
Merece uma nova vaga.
Será que ainda há paga?
Com que borracha se apaga?
Com que caneta se reescreve essa história?

Perguntas que ficarão sem resposta.
"Isso você nunca saberá!"
É tão óbvio, é tão claro,
Não obstante, e não raro
Esse desejo de colocar reparo
naquilo que talvez não volte

Esse meu poema,
esse meu dilema,
essa sessão de cinema,
num filme de comédia ou terror?
Romance, pornografia,
Certeza talvez tardia.
Será que algum dia?
Quando será um bom dia,
de te ter à revelia?
São seis da manhã.
Bom dia!

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Menina da lua

-Moça! Já estamos no ponto final!

Carolina acordou de súbito. Perdera o ponto de descida do ônibus. Queria ir ao centro da cidade, para fazer uns serviços bancários e comprar mantimentos. Saíra de casa apressada, pois já estava em cima da hora. Tivera um dia de cão. A manhã fora cansativa no trabalho. A noite mal dormida, a discussão de dias anteriores, a ideia da demissão, tudo descontrolara a moça. Tomou ônibus perto de sua casa, pôs seu celular para tocar suas canções, pôs o fone do ouvido e acabou cochilando no caminho. Não se preocupara com o grande valor em sua bolsa, com o encher do ônibus. Sentara-se na última cadeira e ficou ali, ouvindo Caetano Veloso. Acordou com o chamado do cobrador.

-Que merda! - gritou Carolina. Desculpe, moço. A culpa não é sua.

Precisava resolver os problema naquele dia e o adiantado da hora não a permitiriam chegar a tempo de pegar o banco ainda aberto. Resolveu então, que voltaria para casa e que no dia seguinte resolveria os seus problemas. Colocou os fones novamente e ficou esperando o próximo ônibus, enquanto observava o movimento de carros e pessoas na Avenida do Contorno. Foi quando se deu conta de que a música que tocava  no momento tinha seu nome. Atentou-se para aquela letra. "O tempo passou na janela, mas Carolina não viu."

Foi então que a moça percebeu sua passiva condição de assistente da vida. Passou todo seu tempo limitando-se a assistir aos outros, a buscar soluções para os outros. Largara os estudos para ajudar nas despesas da casa. Sonhava em fazer faculdade de enfermagem, pois cuidar era uma espécie de dom. Embora pobre e pouco letrada, era culta. Varria sozinha os cantos da cidade, em busca de informação, de músicas novas, de gente inteligente. Ia a eventos gratuitos, conversava com os donos das bancas de jornais, que lhe garantiam a leitura diária de todas as informações. Carolina era, sem ser. Não tinha canudo, mas tinha o mundo!

E tendo o mundo, não tinha nada. Não podia comprar um disco de seu cantor favorito. Não podia ir ao teatro e ao cinema. Não podia comprar um exemplar de "Cem anos de solidão" e ia lendo aos poucos as páginas dessa história,numa banca de jornal, com melancolia e lágrimas nos olhos. Vendia biquínis pela manhã, como num trabalho  escravo, fizesse chuva ou sol. Mas não conseguia realizar seus sonhos.Não conseguia ser aquilo que sonhava. Nem amar ela sabia. Sua condição de vida não lhe permitia condições de amar.

Mas ela amava. Amava o jovem entregador de jornal da banca em que passava todos os dias para ler seu livro. Olhava-o com um amor ingênuo, de um botão pronto a desabrochar em flor. Sonhava com um beijo como os que via nas novelas de época que amava! Mas não conseguia expressar seus sentimentos. Ele nunca olharia para ela. Ela era apenas uma louca, que sentava no banco e lia duas páginas de um livro por dia. 

A percepção que a música trouxe à Carolina fez com ela ficasse imóvel. Sabia que o tempo passava pela janela da sua vida e ela não via nada. Não tinha passado, não tinha presente e não vislumbrava futuro. Resolveu que não iria mais embora. Precisava reaver o tempo, precisava ser alguém. Resolveu caminhar para pensar numa solução para sua triste vida. Desligou a música e pôs-se em direção contrária à praia.

Quando viu, estava na Passagem. As casas antigas, o cenário bucólico levaram Carolina ao passado. Estava com roupas brancas, longas e de renda. Carregava uma sombrinha e uma pequena bolsa. Usava luvas e um colar de pérolas. Os cabelos presos sustentavam um chapéu. As pessoas que passavam pelas ruas a cumprimentavam e ela sorria. Era alguém. Estava sendo vista. Os tílburis passavam, os cavalheiros com suas esposas, e todos a olhavam e a veneravam, como ela fosse a sua rainha. Continuou a andar, passou pelo Largo de São Benedito e virou para a rua que margeava o canal.

Já não tinha mais as roupas brancas. Vestia-se agora de roxo, num vestido um pouco mais curto, de meia-calça e  sapatos de verniz. O cabelo, no corte estilo Channel, carregava uma faixa colorida. Fumava uma cigarrilha, quando viu o rapaz da banca passar. Tinha uma roupa alinhada. Parecia rico também. Olhou para Carolina e seus olhos a atingiram como um raio. Sorriu para ela , com seu ar de malandro. Ela retribuiu o gesto e parou. Ficou esperando que ele viesse ao seu encontro. Ele apenas a abraçou e lhe deu o beijo de novela que ela tanto sonhara!

Continuou a andar e quando viu já estava próxima ao Forte São Matheus e o sol já havia se posto. Estava de novo com seu jeans surrado e camiseta velha. Ouvia novamente suas músicas. E caminhava em direção às pedras e ao mar. Mas não sentia-se mais vazia. Era a dama antiga cheia de elegância. Era a moça que havia sido beijada. Estava feliz! E o encanto da ondas batendo no mar atraiu a moça. E ela começou a subir,  e a admirar aquele cenário. A lua, radiava no céu, cheia. 

Olhou para a lua com súbita emoção, como se nunca a tivesse visto na vida! Sentia-se cheia. Estava farta de  minguar. Estava farta de oscilar entre o nada e o nunca. Queria manter-se plena, naquela condição nova. Queria crescer, crescer e crescer. Olhou o mar. Estava de ressaca. As ondas batiam forte e espumavam nas pedras. Quando deu por si, a lua estava ali, em meio àquela revolução. Queria ter a lua! Queria ser a lua! Não queria mais aquela vida de miséria. E assim como aquela que enlouqueceu e pôs-se a torre a chorar, Carolina lançou-se na direção da lua. O mar tragou a moça em segundos. Era, agora, apenas parte da ressaca.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A virgem dos lábios de mel

Quando comecei a escrever meus contos , minha primeira personagem foi Ana, por conta da homônima do conto "Amor", de Clarice Lispector. Depois, veio Rita, em homenagem a Machado. E minha terceira protagonista foi Joana. Por fim, percebi a coincidência com parte de uma música de Ana Carolina, que canta suas mulheres e as denomina Ana, Rita, Joana, Iracema e Carolina. Decidi, então, fechar o ciclo das minhas bambas e criar Iracema e Carolina. As três primeiras vieram ao meu encontro, nítidas, claras, como entidades. Contaram-me suas histórias e as coloquei no papel. E pensei em Iracema. E ela não veio. Não apareceu, não me contou nada.

Percebi então, que ela já me viera, que sua história já fora contada. E que a mim cabem apenas reflexões sobre ela. "Iracema, a virgem dos lábios de mel". A conheci na faculdade. Lendo o romance de Alencar, achei a minha mulher de sentimentos livres e entregues. No folhetim de 1865, Iracema é uma índia com "os cabelos mais negros que a asa da graúna", que guardava o segredo de sua tribo. Representava sua  própria terra natal, com seus encantos e riquezas naturais. E eis que chega Martim, guerreiro branco, e leva a pureza da moça, leva seu amor, leva sua vida. Desse amor, nasce Moacir, o filho da dor.

José de Alencar construiu uma grande alegoria. O romance também é conhecido com Lenda do Ceará, pois Moacir seria o primeiro cearense, símbolo da exploração europeia . Iracema é anagrama de América. E ambas carregam o estigma de exploradas, as belas e puras, que têm o seu ouro saqueado por aquele que vem, instala-se e leva o melhor, sem oferecer nada em troca. E a jovem índia morre  de tristeza, padece por aquele que a sugara por inteira. E deixa como herança um rastro de passividade, de servidão, de escravidão.

Anos mais tarde, Chico Buarque procurou a sua Iracema. Agora, ela voou. Foi para a  América. Não essa, latina, que continua o legado da índia de Alencar, mas para a do Norte, onde o capitalismo selvagem sugere ser o melhor lugar do mundo para as oportunidades. A condição de explorado e explorador agora inverte-se. Em vez de chegar, emigram. Saem do Brasil em busca de melhores condições de vida, mas continuam em sub-empregos, continuam em condições sub-humanas, lavam "chão numa casa de chá", ambicionam, têm saudades, não dão mole para a polícia. Martim continua vivo, agora chama-se dinheiro. Continua a levar nossas Iracemas para a tristeza e continua gerando filhos da dor.

O que poderei eu contar mais a respeito de Iracema? Ela já está aí, pronta para ser lida e ouvida. E quantas Iracemas vamos encontrar? Todos os dias elas andam por aí, trabalham, sustentam suas casas, apanham dos maridos, perecem nessa vida. Carregamos conosco essa essência, esse desejo, essa entrega quando amamos sem medida, quando nos doamos sem buscar nada em troca. Minha heroína está bem representada. A mim, resta calar a minha voz e deixar que ela se conte na voz de quem a soube fazer com maestria! Termino com o link da canção de Chico. E que venha Carolina!




sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Cantiga para Manuella

Hoje acordei cedo e fui fazer uma caminhada à beira-mar. E como esse é um momento propício a reflexões! E num dia onde se lembram os mortos, pensei naqueles nossos que já se foram, e que num momento,  causaram grande tristeza. Mortes repentinas, jovens vidas ceifadas, amigos retirados de nosso convívio. Mas percebi que hoje vivemos um tempo de renovação. A nossa história se perpetua nas novas vidas que estão surgindo, nas nossas lindas crianças, que vão carregar a nossa identidade para frente. 

Decidi então, que a hora é de celebrar a vida! A nossa, dos nossos filhos, amigos e familiares. Daqueles que nos amparam nos momentos difíceis, que nos ajudam, com quem brigamos por motivos fúteis, mas que amamos estar perto. Caso assim não fosse, não estaríamos sempre tão próximos, festejando nossas qualidades e nossos defeitos. 

Pensei então naquela que ainda nem chegou, mas já encheu a nossa vida de alegria, pois um novo milagre está prestes a acontecer mais uma vez para nós. Mais uma para carregar esse DNA porreta, que eu, particularmente, tenho muito orgulho! Talvez, essa renovação que nunca acaba deve ser o que se chama VIDA ETERNA!

Enquanto caminhava, essas palavras me vieram, me tomaram, e assim nasceu a "Cantiga para Manuella".  


Bem-vinda à luz,
Bem-vinda à vida,
Bem-vinda ao sol,
Bem-vinda à família.
Bem-vinda ao amor,
Bem-vinda à alegria!

Que a vida lhe seja leve,
Que os dias lhe sejam suaves,
Que seu sofrimento seja breve,
Que seja firme e tenha coragem.
Que a vida lhe seja bela.
Que a vida seja,

Manuella!

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Respostas

Joana acordou de súbito, com o toque do despertador. Olhou seu celular, desses mais modernos, e viu a hora. Ainda estava cedo para levantar, podia dormir mais um pouco. Deitou-se novamente, mas seus olhos pareciam não querer fechar. Seu coração parecia querer saltar-lhe pela boca. "Que droga", pensou a menina, que não sabia o motivo de tanta ansiedade. Na verdade sabia. Aguardava uma resposta que parecia não vir. Dera-se de forma intensa, mas não obtivera resultado. Não sabia o que pensava o destinatário de todo o seu desejo.


Abria a página da rede social para conferir e nada. A única coisa que aparecia era sua última conversa, suas últimas palavras, sua demonstração de dúvida e nenhuma resposta. Apenas sabia que ele lera sua confissão. Mas permanecia alheio. Ou preferia não responder, ou talvez não tivesse resposta. E isso comia a menina por dentro, como cupins na madeira. Seu coração palpitava, suas mãos tremiam. Aguardava aquela resposta, como quem aguarda o melhor presente de sua vida. E ela não vinha. E ela parecia a "garotinha esperando o ônibus da escola sozinha, cansada, rezando baixo pelos cantos, por ser uma menina má.. Era poeta, mas não aprendera nada sobre o amor.


Era uma jovem ainda, quando perdera seu primeiro namorado. Não sabia como recolher seus cacos do chão. Era imatura e não estava acostumada a perder. Então, como se a vida mostrasse que o tempo vai acalentando os corações, foi conhecendo outras pessoas, olhando novos horizontes, experimentando o novo. Mas seus cacos permaneciam no chão. Inertes. Como se alguém tivesse que catá-los para ela. Não sabia resolver seus problemas de forma simples, assim como fazia com suas provas da faculdade. Era excelente em pensar, a melhor aluna da classe, desempenhava esse papel com maestria. Mas era péssima em amar! Ou pelo menos não sabia como lidar com os sentimentos. Tudo que sentia a arrebatava por completo, tomava conta de seu ser, engolia sua capacidade de seguir em frente. Ansiava por viver logo, fosse a dor ou a felicidade.


Nesse momento de instabilidade, ela o conheceu. Era uma pessoa como Joana, inteligente, mas falho na difícil arte dos sentimentos. Embora mais velho, ainda era inexperiente. Aproximou-se de Joana por conta de afinidades, tornaram-se amigos, saíam juntos. Ela o confidenciara sua vida, seus medos. Ela sentia-se bem ao lado do amigo, que ria com ela, ouvia com ela as músicas das quais gostava, conversava com ela sobre seus livros, como ninguém um dia fizera. Os dois eram como um. Mas ao mesmo tempo eram diferentes. 


Um dia, numa dessas saídas, foram parar num beco, perto da casa de Joana. Ali, os ainda meninos, entregaram-se à paixão. E no outro dia, fizeram novamente o mesmo percurso. Mas Joana era inconstante. Estava perdida, como num labirinto, sem saber que caminho seguir. Estava como um pêndulo, que vai e vem sem parar e nunca escolhe o lado que quer ficar. Naquele momento escolheu não parar. Escolheu balançar para lá e para cá, dar cabeçadas na vida, errar e errar cada vez mais. Ia, vinha, ia novamente, rasgando seu coração com tanta instabilidade. E ele ali, vendo a menina destruir-se sem conseguir ou poder fazer nada.


Quase dez anos passaram. E Joana estava agora em frente ao computador, esperando sua resposta. Nesse tempo, os dois seguiram caminhos diferentes. Perderam-se de si, acharam-se e perderam-se na vida. Mas o tempo que separou os dois, resolveu dar novamente um ao outro. Não eram as mesmas pessoas, não eram mais os meninos daquele beco. Cada um escreveu uma história distinta, e pareciam não reconhecer no outro o amigo de antes. Não sabiam mais quem eram, pois não conversavam mais, não riam mais juntos, não faziam mais brincadeiras, não saíam mais para tomar caipirinha e fazer piadas. Cada um traçou a sua história, longe do outro. 


Mas, ao reencontrá-lo, Joana lembrou-se de seu amigo de antes. Não sabia mais como voltar a ele. O pêndulo agora estava inerte. Imóvel. Não sabia ir, não sabia voltar, não sabia errar, mas também não acertava. Mas veio um vento e sacudiu sua vida. Agora ela já sabia catar seus cacos do chão. E assim o fez.  Não sobrou nada. Foi difícil, mas ela conseguiu juntar tudo rapidamente, como se cata um copo que cai no chão. Com seu amigo ali novamente, vendo a menina reconstruir-se, agora podendo fazer alguma coisa, por mais que pouca. Joana parou para ouvir seus conselhos. Conseguiu filtrá-los e não se sentia mais sozinha. Amadurecera com o passar dos anos e das situações.


E Joana novamente sentiu-se bem ao lado do amigo. E foi voltando àquela sensação boa que a amizade lhe causava, foi voltando àquele homem, foi voltando àquele beco. E chegou ali, como se nunca tivesse saído. A certeza que não tivera naquela hora, agora era clara como água. Seu coração pulsou forte. Lembrou-se daquelas noites, como se elas fossem as noites anteriores. Sentiu tudo que estava preso saltar de dentro de si, tomar conta de seu ser, atingir seu coração e ali ficar, como um cupim na madeira. O sentimento corroía Joana. Achava que não tinha mais tempo a perder. Queria viver de novo aquele sentimento. 


Não queria voltar àquele beco, mas queria explorar novos becos, ruas e vielas. Não estava mais no labirinto. Tinha noção agora de cada passo e sabia aonde queria ir. Apareceram companheiros para essa nova caminhada, mas ela não queria nenhum deles. Queria apenas o que sentia ser seu. Não por direito, não por conveniência, mas que sentia ser seu por seus sentimentos. Joana só queria sentir. Não queria mais pensar, não queria racionalizar o amor. Só queria amar.


Mas aquele que viu Joana entrar no labirinto e perder-se lá dentro talvez tivesse medo. Não queria adentrar novamente no seu labirinto pessoal e não conseguir sair dele. Tinha curiosidade e desejo. Mas oscilava. Tornara-se agora o pêndulo, que fica para lá e para cá, sem saber onde e como parar. Ela não sabia muito mais sobre ele. Nunca conseguira adentrar nos seus sentimentos. Ela era transparente, mas sua visão sobre o outro lado estava turva, encoberta por uma nuvem de fumaça. Não sabia o que o outro sentia e esse insistia em não responder. A angústia tomou conta de Joana.


Resolveu aproximar-se, acertou, errou, evoluiu, involuiu. Mostrou-se toda. Entregou seu ouro ao bandido. Mas permanecia vendo o turvo, o incerto, o falhado, como uma tela Impressionista. Sugestão. Mas nunca a clareza. Joana viu-se em conflito. Queria tanto e não conseguia um retorno objetivo. Apenas possibilidades, hipóteses, talvez. Resolveu insistir. Pediu mais uma vez. E agora não tinha resposta alguma. Não sabia o que pensar, porque nem um tchau tivera como resposta. Nada. Apenas o silêncio.


E agora ela permanecia ali, de frente ao computador esperando a resposta. Talvez já saiba qual seja ela, ainda que não queira, mas aceite. Não podia cobrar nada daquele que uma vez quis lhe dar tudo. Mas ela desejava e não conseguia ser pragmática, pois esse desejo cegava-lhe os olhos e a emoção sequestrava as razões da moça. Ficou esperando, sem saber que a resposta já lhe havia sido dada, dias antes, num poema que o amigo lhe escrevera : "Não tenha pressa da luz, não tenha pressa de nada."

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Amor, I love you


Rita fazia o jantar com prazer. Casada de pouco, procurava fazer as coisas para agradar o marido. O mundo vivia a revolução da virada do ano 2000, mas Rita estava alheia a tudo isso. Queria apenas viver no mundo que imaginara, na vida que pensava ser boa, com o homem que escolheu com a razão, com a casa bonita que eles montaram, com seu trabalho estável, com seus cachorros, sua cozinha e sua sala. Descascava batatas, como se esse ato fosse o mais nobre de todo o mundo! Era feliz naquela vida modelada, sem aborrecimentos e sem grandes emoções.

Da cozinha, ouviu soar na sala uma música da qual gostava. Correu até lá, e viu que na  TV passava o clipe, mas preferiu apenas aumentar o volume, voltar às batatas e cantarolar junto, numa alegria construída: “Deixa eu dizer que te amo, deixa eu pensar em você...”. Terminou o jantar com calma, deixou a travessa no fogão, para levar ao forno quando o marido chegasse. Tomou seu banho, na hora de sempre, e sentou-se para ver a novela. E ali ficou, observando os acontecimentos, esperando a chegada do marido.

Era uma moça jovem, inteligente, que aos 25 anos já era funcionária pública estabilizada. Fora criada para não errar. Procurava seguir conselhos, fazer as coisas com perfeição. Sua casa era de uma limpeza, de uma ordem, nada era fora do lugar, nada era fora de estilo, nada era sem combinar. A cama sempre feita, a roupa sempre engomada, a comida sempre à mesa no horário. Funcionava como um relógio, que só para quando acabam as pilhas.

Seu marido, o Garcia, era um homem sério, responsável, de poucas palavras. Conheceram-se na repartição, iniciaram uma amizade que acabou virando namoro. Construíram uma vida moldada em princípios racionais: a esposa perfeita e o marido provedor. Chegava em casa para jantar, sentava-se à mesa a espera do comida, depois banhava-se para assistir ao noticiário, já na cama, de pijamas. Funcionava como um relógio, que só para quando acabam as pilhas.

Naquele dia, ao chegar em casa, Garcia trouxe um amigo da repartição. Passou pela cozinha, onde Rita colocava o prato no forno, beijou-lhe a testa e olhou a travessa com ar de reprovação. Foi para o banho e Rita foi fazer sala para a visita. Quando chegou , reconheceu seu velho amigo da repartição, e sorriu-lhe com saudade. Conversaram sobre diversos assuntos, todos comuns e do gosto de ambos. Colocaram em dia a lista de livros e discos que compraram, os shows aos quais assistiram, os sites que visitaram. Garcia chegou, e o assunto foi se resumindo aos problemas da repartição e do Botafogo.

Rita pôs os pratos na mesa, os copos e talheres com perfeição. Trouxe as batatas feitas no forno e um vinho para acompanhar. Serviu o marido, a visita e depois a si mesma. Buscou um suco, pois não tomava vinho. Jantaram calados. Garcia, com pouco gosto. Os outros dois, como num baquete. Após o jantar, enquanto Rita tirava a mesa e arrumava a cozinha, Garcia mostrava ao amigo sua nova máquina fotográfica, dessas modernas, que batem fotos sozinhas. Para testar, sentaram-se os três no sofá, numa pose. O flash estourou em segundos e todos ficaram maravilhados com a nova invenção do mercado.

Conversaram mais um pouco, até que Rita retirou-se para dormir, e os homens ficaram ainda na sala. Já era tarde quando Garcia despediu-se do amigo. Embora amigos, eram diferentes. Arnaldo era um homem sorridente, de boa conversa, versava sobre todos os assuntos. Era romântico, ainda que vivesse sozinho. Um cavalheiro como os de antigamente, que não se fazem mais nos dias de tanta modernidade. Gostava de música e Literatura, conversava com Rita sobre esses assuntos, e ela gostava disso.

No outro dia, pela manhã, o telefone toca cedo. Um parente do chefe da repartição falecera, e Garcia tinha de viajar para resolver os problemas do enterro. Passaria o dia a e noite fora de casa. Rita levantou-se, arrumou as malas do marido, recebeu o beijo na testa e viu o homem sair pela porta. Ligou a TV e o clipe novamente passava. Dessa vez, ela parou para assistir e enquanto observava, cantarolava: “Amor, I love you/amor, i love you...”. Fez o almoço para comer sozinha e enquanto almoçava, verificou sua caixa de e-mails. Muita publicidade, muito spam. Mas no meio deles, um em especial lhe chamou a atenção. Era um e-mail de Arnaldo, sem título.

Ao abrir, Rita encontrou na caixa de texto a letra da música que ouvira mais cedo. Ficou sem entender os motivos daquela mensagem. Mas suspirava. Beijava a tela do computador com devoção. Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades. Sentiu um acréscimo de estima por si mesma, e parecia entrar numa experiência interessante, onde cada palavra conduzia ao êxtase.”

Rita desligou rapidamente o computador, como se não quisesse mais sentir. Mas as palavras não saíam de sua mente. Trancou-se no quarto, batendo a porta com furor, com se ali ficasse escondida do mundo. Mas o mundo estava dentro dela. Não adiantava fugir, as palavras já causaram estrago suficiente. Onde quer que fosse, levaria aquele eco em seus ouvidos, como se a canção não pudesse sair da sua cabeça. Ouviu o telefone. Era Arnaldo. Chamava Rita para um passeio.

Ela ainda relutou, mas o carro já estava na sua porta. Saiu apressada e caminharam pelo parque da cidade. Conversaram sobre Machado de Assis, prometeram empréstimos de livros e CD,’s, sem tocar no assunto do e-mail. Até que, debaixo de uma sombra, uma serenata esperava Rita com a canção, agora dos dois. Arnaldo, com seu violão, declarava seu amor a Rita, na letra da música do clipe. A canção cessou, a banda foi embora, assim como apareceu. De relance, sem ser notada. Arnaldo abraçou Rita, e ao pôr-do-sol, ali mesmo na grama, os dois tornaram-se um.

Rita se entregara a um homem como nunca na vida! Toda a formalidade a que estava acostumada se desfez num momento de gozo. Arnaldo prometera acolhida, mas ela preferiu expulsá-lo. Não sabia se tinha raiva ou prazer. Condenara-se por ter sido feliz! Corria feito louca entre as árvores, em lágrimas que ora eram de prazer, ora de arrependimento. Ao olhar ao seu redor, encontrou apenas a foto revelada dos três: ela, o marido e aquele que lhe dera um momento de felicidade. Atrás da foto, a data e uma frase: “Amor, I love you!”. Guardou a foto em seu bolso e correu novamente em meio às arvores, agora na escuridão calada do parque fechado. Não podia ir embora.

Sentou-se e chorou. Pensou na sua vida perfeita aos olhos dos outros, mas vazia de sentimentos. Pensou na sua casa arrumada, na cama esticada, na louça reluzente em cima da pia, na comida do fogão. Pensou. Fez o que era programada para fazer. Rita sabia pensar, tinha ideias, tinha conceitos, mas não sabia amar. Não sabia ser amada. Não conhecia o romantismo dado a ela por Arnaldo. Estranhava as surpresas, os galanteios, o inesperado. Racionalizava tudo em sua vida, até mesmo o amor. Escolhera Garcia. E não conseguia voltar atrás em sua escolha.

Quando acordou, Rita estava com 60 anos, sentada em uma cadeira, com um bastidor de bordado na mão e a foto do passado em outra. Enfeitava uma mesinha de sua sala. A casa ainda brilhava, como se ninguém vivesse nela. Em outra poltrona estava Garcia, lendo um livro, alheio à esposa sentada a poucos metros. Virou a página, viu um retrato. Um retrato antigo, do dia em que viajara para resolver um enterro. Um dia de tantos anos atrás. Olhou a moça do retrato e sorriu.  Permaneceu ali, inerte, em sua leitura.

Rita levantou-se da cadeira, colocou a foto em seu lugar, deixou o bordado na poltrona e foi fazer o jantar. Beijou o marido na testa e pôs-se  a descascar batatas. Descascava batatas, como se esse ato fosse o mais nobre de todo o mundo! Achava que era feliz naquela vida modelada, sem aborrecimentos e sem grandes emoções. Funcionava como um relógio, que só para quando acabam as pilhas. Pensou em Arnaldo, colocou a mesa, sentou-se em silêncio e jantou com o marido, que olhava a comida com pouco gosto. Rita estava num banquete. Só queria dormir e acordar no outro dia com o toque do telefone.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Questionário

A ideia de fazer esse blog veio assim, como um relance. A princípio, era apenas uma forma de publicar um poema e fazer chegá-lo ao seu destinatário. Mas o ato de escrever se tornou para mim vital, assim como beber água, almoçar, abraçar minha filha e dormir. Escrever faz parte da minha vida. Acho que é uma das minhas melhores habilidades. Sou melhor em escrever que em dizer. Sou melhor em escrever que em fazer. 

A escrita estava congelada na minha vida. Estacionou-se numa vaga fácil, devido às circunstâncias do tempo, dos acontecimentos, que às vezes nos atropelam. Ficou parada, como se não quisesse, por um tempo, dizer mais nada. Minha "voz" calou-se no passar dos dias. Mas toda destruição traz a reconstrução! E no meu reconstruir diário, resgatei esse hábito de outrora. Ganhei novamente a minha voz. Agora "dissonante pelos cinco mil alto-falantes"! Para quem quiser ler! Se é que alguém quer ler minhas sandices. (rs)

E nesse retorno, ainda incipiente, o primeiro "filho" veio em forma de poema. Um poema simples, sem jogo de palavras, sem rimas, sem métrica. Mas rasgado de emoções. Como um reflexo do meu eu naquele instante. Não estava preocupada com as formas, com as estéticas, com os padrões. Afligia-me apenas a sensação de vazio por ver a porta cerrada. Mas, dizem que quando Deus fecha uma porta, abrem-se janelas. E aí o que eu fiz? Pulei essas janelas e tô tratando de ser feliz! 

Mas quero deixar aqui o meu poema, aquele que me abriu uma linda janela! Aquele me trouxe a essência de volta. Aquele que, ainda que simples, tem alto valor entre milhões de textos. Por seu meu, por ser único, por ser o anunciador de uma nova possibilidade. Eis:


Questionário

O que fazer quando a porta se fecha e se apaga a luz?
As promessas?
Os planos?
Os enganos?
Os receios?
A boca que não vem?
O corpo que não mais se tem?
Os casos, os acasos, os ocasos?
O que fazer quando o sono não vem,
Quando só o que se tem
É vazio?
O que fazer com o vazio?

Em 30/08/2012

sábado, 20 de outubro de 2012

Avenida Brasil

Hoje fiquei ouvindo os comentários sobre o fim de "Avenida Brasil", todos muito variados, mas a maioria deles decepcionados com o final da personagem Carminha. Personagem essa que roubou a novela para si, uma vez que as pessoas assistiam à Carminha, sempre. Adriana Esteves mostrou que figura entre as estrelas verdadeiras, assim como muitos outros, mas a novela foi dela. A vilã que domina a história, que é amada pelo povo, que ainda assim preferiu que ela sofresse no final. 

E no nosso imaginário, o vilão tem sempre que "pagar". Vivemos numa sociedade onde todo mundo posta no facebook mensagens de fé, de perdão, de louvor a Deus, mas quando vemos a redenção, achamos que ela é ridícula. Novela é ficção, e pelo menos ali queremos ver o que chamamos de justiça. Estamos tão acostumados com a pizza, que em algum lugar o mal tem que perder. A vida não é uma novela! Não há bandidos e mocinhos, Ninas e Carminhas, Maxes e Tufões. Somos um misto de todos eles, amando, odiando, querendo vingança, invejando, achando bem feito, passando pra trás. 

Acho que por isso a ficção nos encanta. E a Rede Globo é rainha em nos encantar com suas novelas. Pelo menos ali temos a falsa impressão de que o mundo é perfeito, de que o bem vence no final, de que as mazelas da sociedade vão ser sempre corrigidas, que o sofrimento é sempre redentor e que no último  capítulo todo mundo casa e é feliz! E o melhor de tudo: nós não precisamos fazer nada, a não ser sentar em nossos sofás, com nossas TVs de última geração, com um balde de pipoca e olhar. Ver desfilar na nossa cara aquele monte de "irrealidade".

Enquanto isso, continuamos a eleger políticos corruptos. Enquanto isso, pobres vão morrendo de fome e de frio, nas filas de hospitais, nos lixões verdadeiros, onde ninguém anda de táxi. Enquanto isso, continuamos alheios ao noticiário, ao problema do próximo de verdade, ao engarrafamento da Avenida Brasil, à falta de urbanização de outras tantas avenidas, ao mal uso do dinheiro público, à gente que mata índio, que agride homossexual. 

Que sociedade contraditória a nossa! Não permite o beijo gay em novelas, mas acha lindo um final em que um homem se casa com três mulheres. Vive nas igrejas, pregando o perdão, a redenção, o amor, mas acha ridículo que a vilã tenha um final redentor. Quer sempre dinheiro e poder, mas gostaria de morar no Divino. Quem, na vida real, vai preferir o subúrbio à  Zona Sul? Sociedade machista, que acha que nenhum homem pode ser sincero e amar de verdade, já que para todos, Tufão é um bobo.

Sou noveleira. Depois de ser mãe, deixei de ser um pouco. Não acompanhei 10 capítulos inteiros dessa novela, mas sei de cada detalhe, pois o assunto era obrigatório em cada roda de conversa. Quando vi aquela menina ser jogada no lixo, preferi não ver mais nada daquilo. Mas acho que, em tudo, temos que ter olhar crítico. Acho que o "oi, oi, oi" da abertura serve de chamado: "Acordem"! O mundo lá fora nos espera. A vida real está aí, onde somos os personagens principais, e às vezes estamos tão ocupados em comentar a novela, que esquecemos de escrever nossas próprias histórias.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Devaneio

Ana encontrava-se na cama. Lia o conto, cuja protagonista tinha seu nome, de Clarice Lispector. O dia havia sido revelador e ela tentava ler para esperar o sono chegar. Estava aprisionada em pensamentos de uma vida destruída com a morte do marido, há apenas 3 meses. A viuvez chegara para aquela jovem senhora, que não soube lidar com ela. Mas o tempo, esse senhor de todos os destinos, revelara para ela que havia uma gota de esperança. Lia a história de sua homônima, e a catarse experimentada por essa causaram náuseas na viúva. Não sabia se a angústia vinha de sua leitura ou da conversa de mais cedo. 

Um banho gelado! Era o que ela precisava, para esfriar a cabeça daquela mistura de sensações. E quanto mais a água caia, mais Ana ia se perdendo em seus pensamentos, como se aquele banho a limpasse de toda a tristeza e fosse revelando uma nova mulher, limpa de suas mágoas, alvejada, como um papel novo, a espera de uma boa história. Deitou-se na cama vazia, cerrou o livro, tomou seu calmante e começou a  trocar canais da TV. Passaram novelas, propagandas, programas religiosos, desenhos, tudo alheio àquela mulher, que olhava, mas não via, que tinha os olhos semi-abertos pelo cansaço e pelo remédio, mas os pensamentos fechados naquele momento. 

De repente, o telefone toca! Num sobressalto, ela olha para a tela de seu celular, e vê um nome. O nome que ela sempre esperara! O nome que havia despertado nela novamente o desejo de ser mulher e ser feliz! A voz do outro lado da linha, comunicara que o dono daquele nome estava em frente à sua casa, para um passeio. Era tarde! Era insano sair àquela hora! Mas a menina que ainda sonha com o amor, levantou-se, pôs a primeira roupa que vira e saiu em direção àquele nome, sem pensar em nada além daquele convite.

De sua casa, ao destino Ana e seu companheiro conversaram sobre trivialidades. Mas a conversa de cedo, deixara a moça numa tensão velada. Não sabia como manifestar aquele desejo expresso em palavras, não conseguia manifestar em gestos o que desejava. O caminho era curto, mas Ana pensou fazer a viagem mais longa de sua vida. Chegaram à praia, naquela hora, deserta, em poucos minutos. O silêncio gritou no coração de Ana. Saltou do carro, num gesto de reação ao que não sabia ser a ação.

A prainha em que estavam tinha o mar calmo e a lua refletida no espelho d'água, redonda e amarela. Aquele mar tragou a agora menina, pois diante daquela visão, ela simplesmente se viu jovem de novo, adolescente inconsequente. Seu impulso foi apenas um: despiu-se peça por peça e correu em direção ao mar. Ana experimentou de novo a sensação purificadora da água. Aquele banho,como o de cedo, creditara a ela, de vez, o direito de fazer-se de novo! O acompanhante apenas olhara para a cena, extasiado com a beleza daquela  imagem: uma mulher se renovando, se refazendo, se preparando para ele. Apenas para ele. Quis acompanhá-la, mas preferiu observar a metamorfose se realizar diante de seus olhos.

A lagarta virara borboleta! O mundo virou Ana ao avesso! Tirou-a do casulo de sua existência pré-fabricada, forjada pelo desejo de perfeição que sempre buscou, mas nunca alcançara. O mergulho desnudo deu a ela a sensação de nascer de novo, como o bebê que deixa o útero. Deixou o mar com resistência, mas precisava sair dali. Cada passo em emersão, ia trazendo a nova Ana, agora mais forte, mais livre, menos exigente e desejosa de ser feliz, unicamente!

A água e o vento fresco gelaram o corpo da moça, que aqueceu-se numa toalha, sentou numa canga estendida, e aceitou um copo de rum saborizado que seu companheiro lhe oferecera, para se aquecer. O silêncio gritou mais uma vez! Ana apenas olhou naqueles olhos! Nada mais precisava ser dito, nada mais precisava ser conversado. A conversa de mais cedo já revelara o intenso desejo dos dois. Então, sem palavras, os dois tornaram-se um, sem os pudores de outrora, resgatando um sentimento que ficara guardado por muito tempo. 

Mais uma vez, Ana sentiu o  tempo parar. Agora, na tentativa de eternizar aquele prazer nunca sentido. Não queria ir embora. Não queria mais nada no mundo. Queria ficar ali, sendo amada. Queria continuar sedendo aos seus instintos de fêmea, que nunca experimentara sabor semelhante! A borboleta alçara voo rumo ao infinito chamado felicidade! E ali ficaram, Ana, seu companheiro e o sabor do gozo que parecia não ter fim. Não se sabe quanto tempo se passou entre a chegada da lagarta acuada, e o libertar da colorida alma que se fazia nova ali. Terminou de beber a garrafa do rum, pois queria inebriar-se por completo. O porre de felicidade libertador!

Em silêncio, rumaram para casa. Em silêncio, Ana saltou do carro. Apenas sorriu. E aquele sorriso revelara ao companheiro todo amor e toda gratidão que sentia. Ele compreendeu, retribuiu o sorriso, e virou a esquina. Ainda tomada por aquele prazer, subiu as escadas de sua casa, jogou-se em sua cama e permitiu-se apenas a ficar ali, imóvel, com um sorriso nos lábios, com a sensação de ser amada cravada em sua pele, com seu desejo realizado e ainda pulsante. Aquela sensação perturbava-a. Fechava os olhos, para ver e rever na memória o filme daquela transformação.

Quando os olhos se abriram, Ana viu-se na cama, com o livro de contos cerrado entre seus dedos, os cabelos molhados, a TV ligada num canal que desconhecia. Ana sorriu. Sentia sua nova carne, seu novo coração pulsar em seu peito. Sentiu forte o prazer daquele momento. Ficou sem saber se devaneava ou se toda a sua catarse fora real. O sol mostrava seus primeiros raios. De repente, o telefone toca! Num sobressalto, ela olha para a tela de seu celular, e vê um nome. O nome que ela sempre esperara!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Dia do professor

Hoje é dia 15 de outubro! Data que cresci comemorando, pois sou filha de professor, com muito orgulho! Desde a barriga, vivi em escola. Cresci em escola, em salas de aulas, conversas de sala de professor, comemorações e churrascos,e assim, por osmose, fui aprendendo o meu ofício. Ser professora está enraizado em mim, no meu DNA. E tenho orgulho disso! Amo escola, amo aluno, amo essa gente que ouve, que faz bagunça, que desrespeita, mas que só quer um pouco de atenção! E hoje resolvi escrever, não para falar do meu lado professora, mas para relembrar essas figuras essenciais que passaram pela minha vida, e me ajudaram a forjar essa Lívia de hoje.

Primeiro, tenho que falar da minha primeira professora, que, empiricamente, me ensinou a ler e escrever: minha irmã. Em nossas brincadeiras diárias, ela me ensinava o que aprendia, e assim, eu ia evoluindo sem nem mesmo saber. Aos 3 anos entrei para escola, e minha primeira professora de fato foi Tia Márcia. Quem for ao Sagrado hoje, 27 anos depois, vai encontrá-la lá, no mesmo lugar, a mesma pessoa. Parece que o tempo não passou para ela. Ainda do Sagrado, como não lembrar de Tia Dóris, a alfabetizadora. Lembro que tinha medo daquela cartilha, com as letras associadas a desenhos. A primeira era o "L" e a figura era uma lata. Depois as letras iam sobrepondo-se umas às outras e com facilidade, devorei a cartilha. Ler! Minha primeira conquista importante nessa vida! 

Depois vieram o primário e o ginásio. E as coisas das quais mais lembro da escola são os livros, as aulas e professoras de Português. Se me perguntarem sobre meus professores de Ciências, Geografia, Matemática, talvez não lembre de todos, mas as de Português, me lembro de uma a uma, todas mulheres. Sandra, na quinta série, era uma espécie de mãe. Cuidava de todo mundo como filhos. Foi a professora que convenceu mamãe a me deixar ir numa excursão sozinha; Didina, na sexta série, era amiga de mamãe, me conhecia da barriga. Foi ela que me levou a ler "Fernão Capelo Gaivota", história linda, inesquecível; Assunção, na sétima, com suas milhares de frases para análise sintática. Como eu amava essa mecânica, ainda com 13 anos! ; Celma Rosa, na oitava, e as primeiras concordâncias e os primeiros contatos com meus grandes amores gramaticais: as orações do período composto.

No Ensino Médio, tive apenas duas professoras de Língua, que se alternaram nos três anos, entre Português e Literatura. Com elas, aprendi a amadurecer, aprendi como ter professor e amigo, como ser crítica. Com elas, conheci Machado de Assis, Fernando Pessoa, os "ismos" que me acompanhariam para o resto da vida! Obrigada Amanda e Hélida por me fixarem nesse mundo das Letras, por me darem essas raízes! No Rui, outras figuras memoráveis, que não podem ser esquecidas: Babade, Valéria, Carrerete, Carlinhos, Márcia, Valesca, e outros mais. Cada um com seu jeito próprio, mas com algo em comum: o amor! Ali aprendi o que é amar de verdade ser professor! Ali, me convenci de que eu e a escola tínhamos um caso de amor interminável e que esse era meu destino e não tinha mais como fugir.

Fui fazer Letras e aí o encanto se fez de vez. Me entreguei a esse mundo, de corpo e alma. Me deixei levar pela sintaxe, pela Literatura, pelas regras, pelo domínio e fascínio que essa nossa Língua Portuguesa tem. Não dava mais para voltar atrás. Na verdade, já estava ali, intrincado no meu ser, como parte dele, assim como a pele, o sangue e o coração.

Obrigada, professores, por serem quem foram na minha vida! Por cada exemplo, positivo ou negativo. Por cada aula, cada projeto maluco, cada momento sentado naquelas carteiras! Até hoje tenho saudade de ser aluna! Mas tenho orgulho de ser professora! Cansa, desmotiva, é desvalorizado! Mas não me vejo sendo outra coisa. EU SOU PROFESSORA! Assim como sou Lívia, assim como sou clara, assim como sou baixa. Está em mim e é pra sempre!

A todos, um Feliz Dia dos Professores!


domingo, 14 de outubro de 2012

Matar e morrer

Morrer de frio
Morrer de medo
Morrer de tédio
Morrer de repente
Morrer de rir.

Matar a sede
Matar a fome
Matar a pau
Matar a vontade
Matar a saudade

Dentre tantas formas de morrer
Dentre tantas formas de matar
Quero que você em mim morra
Quero que você me mate
Na que julgo melhor delas,
Que é morrer de prazer!


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Toda quarta, graças ao futebol, mudo de canal assim que acaba a novela. Ontem, tive o prazer de assistir ao programa do Pr. Fábio de Melo, na TV Canção Nova. Como é bonito tudo o que ele fala, cheio de realismo, de pé no chão, diferente do que muita gente pensa que pode dizer um padre. E ontem ele falava sobre como hoje em dia as pessoas se deprimem e atribuiu ao fato de hoje termos muitas possibilidades de escolha. Disse ainda que, antigamente, as pessoas tinham menos e viviam melhor, pois aproveitavam as coisas mais simples da vida. E que quanto mais temos, vamos ficando mais pobres em termos de relações, de cultura, de contato.

Fiquei pensando que isso realmente é uma verdade. Minha avó, por exemplo, tinha minha idade há mais ou menos 50 anos. Deve ter cursado apenas o Ensino Fundamental.  Mas sabe falar corretamente, escreve sem erros, diferente de muitos graduados que temos aí. Vovó não ouvia essas músicas de hoje, que nada acrescentam em temos de letra e poesia. Vovó ouvia música boa, lia nomes da Literatura nos jornais. E isso enriquece a alma! Uma boa música, um bom livro, hábitos simples enriquecem qualquer espírito!

E lembrar de Vovó é lembrar um pouco de mim. É lembrar das brincadeiras na praça da Gamboa com meus primos, do futebol de lata, do bote no Canal, da "bicha que não pega", de catar guando no pé, de subir na goiabeira. E não há nada no mundo melhor que a casa de vó, que a comida de vó, que descansar na cama da vó, que sentar e escutar as histórias antigas, e ainda ouvir, ao fim delas, a inocente pergunta: "você lembra?"

Não Vó, eu não me lembro das suas histórias! Mas guardo cada momento que passei com você, cada coisa boa que ouço, cada detalhe para um dia perpetuar essa história. Que bom que esse texto mudou seu rumo original e acabou virando uma homenagem! Assim que acabar de escrevê-lo, posso imprimi-lo e dar a vovó como forma de agradecimento, ainda em vida. 

Obrigada por fazer o melhor feijão do mundo, por nos ensinar  a gostar de carne seca com maxixe, pelos domingos de churrasco e almoço em sua casa, por nossas conversas longas na mesa de café, pela preocupação com o meu almoço, por sempre cuidar de tudo e todos e ser a última a sentar à mesa, por ser Dona Irene, Tia Irene, Tia Dete, Mãe, Vó e Bisa! Obrigada pelos banhos de tanque, pelo mesmo nome nos  bichos,por me deixar catar acerola no pé, por suas histórias engraçadas, pela sua força que transborda, pelo seu exemplo de mãe e mulher, por nos ensinar que podemos carregar nossas cruzes com alegria e força. Obrigada por cada palavra que me diz, e que me faz ter certeza de que tudo pode dar certo. Só quem é "Ramos" entende o sentido de cada uma dessas coisas! Obrigada, Deus, por permitir que eu tivesse esse exemplo!

Por fim, agradeço ainda por minha filha ainda poder conviver com ela. Porque ter vó é bom, mas Bisa é  melhor ainda! E ainda bem que Malu tem Bisa, e ela é o maior barato!

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O dia depois de ontem

"Todo carnaval tem seu fim!" Essa foi a impressão da manhã de hoje. Saí cedo de casa, pois meu pão eu ganho com trabalho, e a sensação na rua era de uma quarta-feira de cinzas. Os restos de ontem ainda espalhados no chão, santinhos, garrafas, poucos transeuntes, quase nenhum carro. Pequenos grupos  comentavam o assunto  do dia anterior. A impressão que tive foi que a cidade amanheceu de ressaca. Que rumo tomará a nossa Cabo Frio? Quantas perguntas ainda a serem respondidas! Quantas conclusões a serem tiradas!

A primeira delas é a que esse judiciário do nosso país é mesmo cego, surdo e mudo. Como que o órgão que deve garantir justiça para todos, permite que os municípios vivam essa instabilidade e insegurança? Os julgamentos da Justiça Eleitoral deveriam ser realizados sempre antes dos pleitos . Será que ficaremos mais quatro anos ouvindo que' "segunda-feira ele entra"? Ficaremos mais quatro anos esperando que se faça alguma coisa e ver nada acontecer com a desculpa de que "não fiz porque o outro não me deixa governar"?

O que esperar agora? A nós, pobres cidadãos, resta apenas esperar. Esperar que um juiz decida que um ficha suja, aclamado pelo povo, eleito pelo povo, pela maioria do povo, pode ou não governar essa cidade. Pior é saber que a maioria quer isso para o município: um rei que em vez de coroa, usa peruca; que alimenta a política do turismo pão com mortadela; que acha que é dono da cidade, e não um mero servidor do povo; que já foi prefeito por 3 vezes e parece acreditar que  É, e não que ESTÁ; que diz que vai fazer pelo servidor público, mas pratica a política do abono e não do aumento; enfim, se formos enumerar toda a contradição desse senhor, não teríamos páginas suficientes.

Ás vezes eu penso que a ignorância é o mal da nossa sociedade. Ignorância no sentido próprio da palavra. Ignorante: aquele que ignora, que não sabe. Ontem pude perceber como somos um bando de ignorantes! As pessoas preferem permitir que o mal estar se instale na cidade, por ignorarem as consequências. Todos sabiam que a candidatura estava impugnada e os motivos dessa impugnação. E preferiram ignorar, pois os benefícios particulares sempre se sobrepõem ao bem comum. Ignoram porque dependem de uma eleição para garantir quatro anos de emprego. Ignoram porque nunca se esforçam para conseguir nada por mérito próprio. E vão ficando mais ignorantes, pois perdem a capacidade de pensar, de refletir, perdem o poder de  criticar, pois quanto mais dependem , menos pensam!

Prefiro, sinceramente, que o TSE defira a candidatura e que ele possa governar quatro anos sem demandas judiciais. Cada povo tem o governo que merece! Isso é fato. E vamos ao "pão e circo", vamos aos fogos, às pedras de isopor e chafariz na beira da praia, às escolas em casas alugadas, e a tudo mais que estamos cansados de saber. Mas parece que o povo não está. É disso que o povo gosta, então é isso que o povo merece.

Nos tornamos uma cidade sem lei, sem governo, e nem sequer podemos dizer quem é o prefeito eleito. Nos tornamos uma cidade onde vai imperar a boataria, as discussões, o disse me disse. E para terminar, uma pergunta que me faço desde ontem : "O que deu certo"?



domingo, 7 de outubro de 2012

Eleições

        Hoje, mais uma vez, o povo vai às urnas para decidir o destino da nossa cidade. Sempre gostei mais das eleições municipais, pois ela nos é mais próxima. Lembro-me de quando era criança e as cédulas ainda eram de papel. Meu pai trabalhava na eleição e eu, minha irmã e os vizinhos ficávamos em frente ao Rui Barbosa até o dia acabar, catando santinhos e brincando. Doce tempo em que a eleição era apenas uma brincadeira!

        Com 16 anos enfrentei uma fila enorme no fórum, que ficava onde hoje é a Prefeitura. Saí de lá com orgulho: meu título de eleitor. As eleições eram presidenciais, em 1998, quando FHC foi reeleito com meu voto. Foi nessa época também que tive a oportunidade de votar em Brizola, que disputava uma vaga ao Senado. Felizmente pude realizar esse voto um dia na minha vida! Cresci em meio a professores, que tinham nele uma espécie de ídolo. E esse crescer em meio a greves e assembleias foi me dando consciência política. Esse crescer em  uma família em que o voto não garante emprego, foi me abrindo os olhos à crítica, a não idolatria, a perceber os caminhos e descaminhos dessa democracia.

             Aos 18 anos, votei pela primeira vez para prefeito. Não me lembro de quem era o candidato na época, mas o meu vereador foi Jânio Mendes. Voto do qual nunca me arrependi. Vereador que realmente soube fazer oposição, ainda que fosse uma voz sozinha. Desde então, meu voto sempre foi de Jânio. Não apenas pela minha simpatia por Brizola e seu partido, mas por ver que alguém era digno de me fazer sair de casa para receber meu voto. Para tudo que ele disputou nos últimos tempos, meus votos foram dele. E lembro que há quatro anos, quando Jânio lutava sozinho, eu dizia à mamãe: "a eleição de Jânio será daqui a quatro anos."

           Passaram-se os anos, muita água passou debaixo da ponte do Canal do Itajuru. E eis aí mais um pleito. Batalha difícil, entre aquele que cresci aprendendo a "odiar" e aquele que cresci admirando. Voto fácil esse? Não. Acho que a candidatura do 12 teve apoios um tanto quanto duvidosos. E não sei se na vida realmente vale tudo para se chegar onde se quer, ainda mais na política. Mas entre o velho, a megalomania, a ditadura, e quiçá, a insanidade, e o novo, a possibilidade de renovação e mudança, fico com a segunda opção.

                De olhos abertos, pois tenho medo de que essas alianças possam trazer consequências, e que talvez os projetos e propostas não consigam ser colocados em prática, por conta do "toma lá, dá cá". Mas algo me diz, dentro de mim, que aquela minha esperança juvenil estava certa. Algo me diz que o menino que minha vó deixava entrar na escola pra vender doces vai ser o melhor prefeito que essa cidade já teve. Pode ser sonho, mas "os sonhos não envelhecem." 

           Não ganho nada com esse apoio, hoje tenho 30 anos e 2 matrículas públicas conquistadas por méritos meus, mais um emprego particular. Mas acho que política não é o que se faz em favor do umbigo e sim pelo melhor para todos. E, para mim, o melhor para todos, definitivamente não é quem teve 14 anos para fazer e não o fez. Não é quem tem a ficha mais suja do que um pau de galinheiro. Pode ser que eu me engane, e tenha uma grande decepção, mas prefiro apostar no novo.

             Hoje à noite, quando soubermos o resultado, uns vão chorar e outros, comemorar. Para mim, pessoalmente, nada muda. Meu emprego, minha casa, minha vida não dependem desse desfecho. Mas espero que quem possa sorrir seja a população cabo-friense durante os próximos quatro anos!

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Poeminha ao acaso


As horas antes vazias
Agora passam cheias!
A noite antes escura
Verteu-se em aurora azulada!
O pranto de outrora
Começa a se transformar em sorriso.
Antítese?
Paradoxo?
Metamorfose!

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Remar, re-amar, amar

            Li esse título ontem, numas dessas mensagens de facebook. E fiquei pensando nas relações que poderiam ter nessas palavras. Amar parece fácil. Todo mundo ama um dia. De maneira certa ou errada, não se sabe, mas ama-se. Ama o pai, a mãe, a Deus, o cachorro. Enfim, ama-se! O mundo move-se de amor. Às vezes, da falta dele.
           Mas remar e re-amar, esse jogo de palavras tão bonito, me ficou na cabeça. Como essas palavras estão intrincadas! Remar, no dicionário, tem diversas significações: mover os remos para fazer seguir a embarcação, manter-se à superfície, esforçar-se para conseguir algo (no sentido popular). E o que é re-amar, senão tudo isso?
           Re-amar, amar de novo! Requer muitas coisas: reveliência, regresso, retorno, resignação, reencontro, renovação. Requer tudo novo! É a marcha ré da vida. Quando vivemos um momento de desamor, temos que procurar viver também o "reamor". Amar de novo! Não o que ficou ou aquele que vem. Amar a si mesmo. Resgatar a essência, o que ficou perdido, o que foi deixado pelo caminho.
          É aí que remar e re-amar se encaixam, como duas peças de um quebra-cabeças, como o yn-yang, um dentro do outro, um completando o outro. Re-amar é remar! É fazer muito esforço para fazer seguir o barco. Ainda que em águas revoltas, ainda que em meio à tempestade. É manter-se na superfície, jogar-se para cima, ainda que o fundo no poço nos convide o tempo todo para ele. E mais, é lutar contra tudo e todos, é o encontro de si mesmo, é a luta diária contra o leão. Tem horas que cansa. Tem horas que parece que não vai haver jeito: o barco vai naufragar! Mas as tempestades passam. Aliás, tudo passa! E o ciclo nunca termina! Amamos e re-amamos. Caímos e levantamos. Isso é viver! Enquanto houver vida, haverá esse movimento. 
            Meu barco está aí. E meus remos estão trabalhando forte. Ainda que meus braços cansem, ainda que a nau esteja apenas por mim habitada, ela não vai parar. Assim estou: amando, remando, re-amando. Diariamente. Incessantemente. Para sair da turbulência e cair num espelho d'água sereno, de onde eu possa ver o sol, o vento bater em meu rosto e descobrir que o melhor mesmo da vida é nunca perder a capacidade de amar, de remar e de reamar!

          

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Há quanto tempo?

Um beco
Um beijo
Desejo!

Há quanto tempo?
Passado
Presente
Futuro
Difusos.

Parece ontem
Parece agora!
Seu peito quente
Ainda bate em meu coração
Sua mão suave
toca a minha nuca.
Desejo!

Há quanto tempo?
O que é o tempo?
Será que ainda é tempo?
Será que ainda há tempo?

Possibilidades