domingo, 27 de janeiro de 2013

Eu rio

Rio,
Seco de lágrimas,
Seco d'água.

O rio.
Cheio de vida
Cheio, agito.

Doce
que salga no mar
que salga no pranto

Fio
que cursa entre pedras
que cursa o destino

Margem
que beira fertilidade
que beira saudade

Açude
represa de esperança
represa de dor

Seio,
pequena nascente,
se faz afluente.

Rio,
água corrente
força da natureza

Ri o tempo
O rio
Eu rio!

sábado, 26 de janeiro de 2013

O nome da filha ou Cantiga para Maria Luísa


Semente,
Um dia, rebento
Sai de mim para preencher-me
Meu filho com nome de santo!
Lágrima, emoção, encanto,
Amor que nunca imaginara tanto.
Fiquei de canto!

Esquecimento,
Um dia, novo ente.
Mais querido, mais protegido.
Minha filha com nome de luz!
Sorriso que a todos seduz
Amor que na vida conduz
Reluz!

Claridade,
Um dia, nova realidade.
Minha filha com nome de luta!
Dia a dia que transmuta
Com suor, com labuta
Com amor, sabor da fruta
Mais doce!

Alegria,
Um dia, infinita.
Minha filha com nome de divisa!
Marco, limite, poetisa.
Escreve minha história e realiza.
Santo, luz, luta, divisa!
Minha filha com o nome do amor:
Maria Luísa!


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Agora Inês é morta!


"Tu só, tu, puro amor, com força crua
Que os corações humanos tanto obriga, 

Deste causa à molesta morte sua, 
Como se fora pérfida inimiga. 
Se dizem, fero Amor, que a sede tua 
Nem com lágrimas tristes se mitiga, 
É porque queres, áspero e tirano, 
Tuas aras banhar em sangue humano."



Essa linda evocação ao amor foi escrita há mais de 500 anos, pelo português Luis Vaz de Camões, em sua obra, "Os Lusíadas". O amor aqui é visto como uma entidade, por isso é grafado com letra maiúscula, característica própria do movimento renascentista e da cultura greco-latina. Tal criação foi uma tentativa do autor de escrever uma epopeia portuguesa, inspirada nos grandes heróis da Antiguidade, como Ulisses e Aquiles, narrados na "Odisseia" e "Ilíada", respectivamente. Cabia a Camões, agora, versar sobre o grande herói de seu tempo, não um, mas todo o povo português.

Composta 10 cantos ,distribuídos em 1102 estrofes, organizadas em oitavas decassílabas e esquema de rimas fixo, que ficou conhecido como a oitava rima camoniana. A estrutura da obra divide-se nos padrões da epopeia tradicional grega: proposição, invocação, dedicatória e narração. Na sua proposição, Camões sugere ser essa a grande epopeia da historia, cessando as dos sábios gregos e troianos. Em seguida, invoca às Tágides, ninfas do Tejo, pedindo-lhes inspiração. Dedica sua narrativa à Dom Sebastião, rei de Portugal desaparecido em batalha e enfim inicia a história de seu povo, in media res. 

A narrativa usa como plano de fundo a viagem de Vasco da Gama às Índias, e inicia-se já com as naus em alto mar. Portugal, àquela época, era uma das nações pioneiras nas navegações e havia descoberto esse caminho para compra de produtos. Embora nossos patrícios fossem um povo católico, Camões utiliza-se do artifício da presença dos deuses gregos para ilustrar a sua história e caracterizá-la como uma verdadeira epopeia. Em seu caminho, Vasco passa por inúmeras dificuldades, como a cilada armada pelo rei de Mombaça, as artimanhas de Baco para destruir a viagem, a profecia do Velho do Restelo, a passagem pelo Cabo das Tormentas, aqui metaforizado na figura do Gigante Adamastor, dentre outros. 

Durante a viagem, Vasco é convidado a aportar em Melinde, a ali contar a historia de seu povo ao rei. Aí começam a desfilar as figuras da sociedade lusitana, seus costumes, suas histórias, suas tradições. É nessa parte que aparece o episódio de "Inês de Castro", cujo trecho abre esse texto. Considerado o momento lírico da obra, esse episódio narra a história de Inês, aquela que depois de morta, foi rainha. Aquela que morreu apenas porque amava. D. Fernando, príncipe português, era casado com a ama de Inês e acabou apaixonando-se pela serva. Após ficar viúvo, resolveu render-se ao amor e uniu-se a Inês. O rei, D. Afonso, resolve, então, acabar com a vida da moça, que ainda tenta salvar-se , clamando pelos seus filhos. O rei se compadece, mas o povo resolve traçar o destino de Inês com a pena da morte. Ao tornar-se rei, D. Fernando ordena que a sua amante tenha um funeral digno da nobreza. Diz uma lenda que ele a colocou, ricamente vestida, sentada no trono e coroou-a rainha. "Inês é morta!", muitos dizem sem nem saber a origem desse tão antigo ditado. Tarde demais! Não havia mais tempo de reaver e reviver esse amor. 

A narrativa segue com outras historias do povo português, suas conquistas, suas batalhas, seu cruel predestinado berrado pelo velho, considerado louco por muitos. Dizem que Camões não realizou a epopeia perfeita, pois tem um tom crítico e saudosista em seu modo de narrar, que sugerem a glória e futura decadência de seu herói, seu povo. Reza a lenda que, num acidente marítimo, o autor teve que escolher entre salvar a vida de sua amada e os seus manuscritos. Salvou o livro. 

Ainda bem! Caso assim não fosse, hoje não teríamos essa história para contar. Com certeza, nos dias de hoje, nenhum autor teria tempo cabível, nem inspiração, nem jeito de fazer uma obra como essa. Ela não cabe mais em nosso tempo. Pelo menos não para ser escrita. Para ser lida, apenas por alguns corajosos que se atrevem. Infelizmente, nos dias de hoje, ensinar Camões, Literatura, Arte, é uma forma de oferecer pérolas aos porcos! Poucos se interessam, poucos alcançam a grandeza dessa e de outras grandes histórias. A sociedade infelizmente perdeu-se. Tornou-se rasa, apagou-se na passagem do tempo e já não valoriza mais o que é bom e o que é belo. Teve a sua capacidade reflexiva, criativa e admiradora enterrada junto com Inês. Tomara que um dia alguém (que ainda ame) a retire do sepulcro para fazê-la rainha.



domingo, 20 de janeiro de 2013

Ego

Quero a dor!
Aceito a morte,
Cansei da anestesia,
Da apatia, do molde.
Desejo o açoite,
O ponto final.
O novo parágrafo
O derradeiro gole.
Quero o inesperado,
O nascer do sol,
A surpresa.
Quero perder a hora,
Perder a cabeça,
Perder o medo,
Perder a chave.
Quero o susto,
O porre,
O palavrão,
O orgasmo!
Aceito o escárnio.
Cansei de ser personagem!
Quero o novo,
Faço a passagem,
Volto ao que fui
Me torno nova
Aceito o escuro
Gabarito a prova.
Cansei da mentira
Do olhar sem brilho
Das horas mortas
Das primaveras tortas.
Aceito o frio,
Louco, vadio,
Insone, insano, real.
Aceito a cova do que fui
E que não era eu.
Não quero ser enfeite de museu.
Quero a chegada, quero o cais, quero o porto
Seguro, mas não morto!

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Pouco tudo muito nada

Enquanto o ônibus segue seu trajeto,
Vou, olhando o mar. Quieto
Vejo as pessoas e a vida.
Passageiras!
Concluo, então
Olhando o relógio que carrego no pulso.

Há muito relógio e pouco tempo
Poucos sorrisos, muito lamento
Muito suborno, mínimo salário
Pouco patrão, muito operário
Muito partido, pouca política
Pouco trabalho, muita estatística
Muito banco, pouca escola
Pouca solução, muita esmola
Muito Naldo, pouco Chico
Pouca paz, muito agito
Muita luta, pouca recompensa
Pouco direito, muita sentença
Muita seta, único alvo
Pouca clareza, muito agravo.
Muito apartamento, pouco quintal
Pouco bem, excessivo mal
Muito dízimo, pouca honestidade
É muito show fantasiado de caridade
Pouco Drummond, pouco poema
Muito vazio, muito problema
Pouco trabalho, muito imposto
Muita mazela, muito desgosto
Muito buraco, pouca estrada.
Pouco tudo e muito nada!

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Chico Buarque, O Professor




Mexendo na minha gaveta de discos, achei um que se intitula "Chico Buarque O sambista" e traz uma seleção de alguns dos bons sambas desse compositor. Fui procurar então, os outros discos, lançados em comemoração aos 50 anos de natalidade do dono dos olhos de mar mais lindos que já vi (amor platônico é um caso seríssimo!). Achei os títulos de trovador, cronista, político, malandro e amante. Não tenho nenhum deles, mas vou tratar de começar a minha busca, pois há tempos não compro um bom disco. Imagina levar cinco numa tacada só?

Mas nesses títulos, na minha opinião, um faltou: "Chico: o professor!". Me alimentando de Chico, como faço agora (por isso o texto), consigo achar cada um desses, tão distintos e, ao mesmo tempo, complementares. As trovas tão bem cantadas, dos tantos eu líricos femininos à espera de seus amores; o dia a dia simplório, como em "Feijoada Completa" e "Sinal Fechado"; a denúncia social e crítica política, reflexos do cenário de seu tempo, em diversas canções, e em particular em "Cálice" (uma das minhas preferidas); os tantos sambinhas malandros, que a gente cantarola feliz, "caminhando na ponta dos pés, como quem pisa nos corações"; enfim, das declarações de amor ardentes e sensuais que "ficam no corpo feito tatuagem", e trazem muitas vezes um certo erotismo, sem ser vulgar. 

Chico é isso! É para todos, paulistas, pernambucanos,mineiros, baianos, etc. Talvez, por isso, seja também um professor. Conheci sua obra ainda menina, pois na vitrola lá de casa sempre tinha uma bolacha a girar essas cantigas. Só fui ter a real compreensão delas tempos depois, mas crescer com esse som aguçou meus ouvidos. Na escola, foi meu mestre em muitas lições. No antigo primeiro grau, o vi durante quase todos os anos da minha vida sentada nas carteiras. Aprendi sobre Grécia, ditadura militar, geografia brasileira, gramática, ao som das cantigas desse certo Francisco (que com certeza será o nome do meu filho homem, caso eu ainda o tenha!).

Mas Chico é professor pra mim também, porque, professor de Português que se preza, adora uma musiquinha dele nas suas aulas. A minha playlist é grande, juntamente com minha coleção de planos de aula. Com "Construção", além da questão temática, consegue-se trabalhar acentuação; "João e Maria", com sua linguagem típica infantil, trabalha-se as variantes linguísticas e rende ainda uma boa aula de verbos; "Olhos nos olhos" é campeã nas aulas de Literatura sobre o Trovadorismo... E por aí vai! Meus alunos não saem da escola sem conhecer Chico. Meus colegas de profissão acrescentarão mais títulos e mais ideias sobre cada um deles.

Chico é mestre, é poeta, é artista. É o maior, sem desmerecer os outros (e sem levar em consideração o meu amor platônico! rs). "Ah, se eu pudesse, não caia na sua!". Mas agora não tem jeito. Não há como não mergulhar nesse vasto universo e retirar dele inúmeras lições, de gramática, de literatura, de redação, arte, geografia, história, de vida! Chico ensina a amar, a viver, a sofrer, a rebelar, a crescer, a apedrejar, a calar, a consolar. Preocupou-se até mesmo com as crianças, pra que as professoras primárias não ficassem com ciúmes. Chico ensina. Simplesmente. Sem mais. E nos induz, docemente, ao desejo de não o esquecer, assim como um caderno, "num canto qualquer."


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Canção insone

Insone!
Busco nas suas letras
O meu nome.
Busco o som de um saxofone
A tocar uma canção de nós dois!
Busco a busca,
Algo que te impressione.
Busco o novo velho
Som de um passado futuro
Ou do que não volta mais.

Insano!
Busco o chão perdido
Feito um louco varrido!
Querer o que está indefinido
Viver o retroagir dos anos
Há dez primaveras.
Há nessa quimera
Um gosto de realidade?
Uma certa iniquidade?
De querer o que já encerrara.

Insípido!
Busco acordado o teu sabor,
Mas por que esse furor?
Se seu gosto não deixa meus lábios,
Faça chuva, faça sol, haja raios,
Trovões! Meu calor,
Teu amor, outrora latente
Hoje busco, sem me saber
Louco, varrido, vadio, bandido
Aceito a paga, prazo vencido!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Para Jéssica, no seu aniversário!

De onde vem o amor?
Senão da sua gargalhada farta,
Da lembrança da sua feliz chegada,
Das saudades geradas por longas distâncias,
Pelos cachinhos dos seus cabelos,
Das suas calcinhas de babados,
Dos banhos de tanque,
Da boca cheia de comida.

De onde vem o amor?
Senão da beleza morena
Da força, da leveza, da alegria
Da eterna simpatia, da festa
Da certeza de que a vida é bela
Ainda que às vezes diga não
E transforme sorte em revés.

De onde vem o amor?
Não é do sangue, das marcas
Não de fora, não das caras.
Vem da força, da escolha
Vem simplesmente
Pois amor não se explica
Vem do coração!



segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Aventura

Quando viu, estava de frente àqueles olhos, azuis celeste, faróis de moto, olhar de festa. Não soube como reagir a tanta beleza. Fixou seus olhos naqueles, que o levaram para dentro, cada vez mais dentro, cada vez mais dentro... Levantou-se do chão, recolheu seus livros e desculpou-se com a moça em quem tropeçara. A dona daquele olhar apenas o sorriu, disse que não tinha de quê e entrou na biblioteca. E ele ficou ali, olhando a mulher com os olhos de Osíris se distanciar cada vez mais de si, e se internalizar cada vez mais em si.

Eduardo jamais sentira sensação semelhante. Tinha todas as mulheres que queria, mas não tinha nenhuma. Não conseguia prender-se a nenhum amor, sempre jogando-se na vida, sorvendo a liberdade a qual estava acostumado, sem firmar em um porto. Mas aqueles olhos! Só conseguia pensar naquele anil que o prendera,no "choque entre o azul e o cacho de acácias", cantado por Caetano, naquela isca que dançava sob seus olhos, naqueles passos cadenciados para longe de seu corpo, mas cada vez mais para dentro de sua alma.

Por alguns instantes ficou parado ali. O peito apertado e a sensação de borboletas no estômago, de que tanto ouvira em mensagens, telefonemas, declarações. E por um momento, o senhor de si e da razão, do domínio de seu mundo e da sua vida, que sempre dizia não, que sempre sabia o que fazer, ficou anestesiado por aquela moça, que esbarrara nele, derrubara seus livros no chão, mas nem sequer demonstrava um vestígio da veneração que provocara nas outras mulheres.

Entrou na biblioteca. Realmente precisava estudar. Mas nunca o fizera ali. Sempre levava seus afazeres para casa. E naquele dia, precisava mudar radicalmente seu jeito de ser, porque a sua vida estava condenada a mudar para sempre depois daquele acidente. Olhou as mesas e cadeiras, observou cada um que ali estava e, ao fundo do salão, com fones no ouvido e um livro enorme, viu a moça. Propositalmente, escolheu a cadeira vazia ao lado dela para sentar-se. Abriu um de seus muitos livros de Direito, e ficou ali, com o livro e a mente abertas. Tentava um aproximação, mas a moça estava absorta em uma história que ele nunca lera, num livro de capa grossa azul, com umas folhas já amareladas. Trazia ao lado uma caderneta, na qual fazia recorrentes anotações.

Eduardo não se deu conta de quanto tempo passou desde que entrou na biblioteca, mas quando deu por si, não tinha saído nem mesmo da segunda página. Começou a ler então aquelas leis todas, concentrou-se ali, sem notar que a moça levantara e fora embora sem fazer barulho ou mostrar vulto. A única coisa que percebeu foi o perfume da moça no ar e a ausência que seu corpo deixara na cadeira ao lado. A leitura estava adiantada, quando resolveu que iria embora. Ao recolher seu material, viu uma pequena folha cerrada, que não fazia parte de suas coisas. Quando abriu, havia um número de telefone apenas.

Ligou imediatamente, sem mesmo saber quem atenderia. Foi quando inebriou-se mais uma vez! Aquela então era a voz da sua deusa, o canto de uma sereia, a sinfonia mais perfeita. Conversaram por alguns minutos e ela disse que sempre o observara, mas que não deixava transparecer, pois não queria ser apenas mais uma. Eduardo percebeu, então, que ela era única. Pegou sua moto e correu ao encontro de Milena. 

- Nunca imaginei que logo você, o cara mais folgado da faculdade, fosse ler meu bilhete e me ligar!

- Por que não ligaria?

- Porque sempre tem tantas meninas a sua volta, que achei que nunca fosse olhar pra mim, a maluquinha de História, sempre com fones no ouvido e livros na mão. Achei que não era o seu tipo.

- Vi seu olhar de farol de moto, azul celeste. Me ganhou no ato! Uma carona pra Lua, tá afim?

Milena sorriu e o encantamento de Eduardo por ela só fez aumentar Lembrou-se de uma música de um cantor homônimo ao seu amante que ouvira mais cedo. A melodia tomou conta da moça e dominou seu corpo. Subiu na moto e saíram sem rumo, noite adentro, botecos abrindo e os dois rindo,  brindando cerveja, como se fosse champagne. E assim viveram um tempo, arrastados por estradas, desertos, curtindo a vida e aquele amor com total entrega e felicidade que nunca imaginaram sentir.

Quando completara seis meses de relacionamento, Eduardo já era outro: torna-se mais responsável com os estudos, não perdia mais aulas, não saía mais à noite com os amigos, não tinha mais inúmeras mulheres na lista de contatos. Estava feliz! Não se permitira essa felicidade nunca em sua vida. O rapaz era como um borboleta, que há muito se permitiu aprisionar na condição de lagarta. Era livre das amarras sociais que o prendiam, não tinha mais necessidade de provar nada a ninguém. Sentia-se feliz, como se seus dias fossem todos de férias, debaixo de palmeiras no mar.

Preparou, então, uma surpresa para Milena. Levou-a para jantar. Luz de velas! Ao fundo, uma música! Convidou-a para dançar. Outros casais ocupavam a pista de dança. Foi quando um escorpião mordeu o coração de Eduardo. Pensou ter visto um cara olhar para Milena. Não podia imaginar sequer perder a moça de seus sonhos, seus olhos de anil, sua companhia de aventuras, de madrugadas intensas. A mesma fração de segundos que levou para apaixonar-se, levou também para enlouquecer. Pintou ciúme na mesa do bar. Milena sentiu a inquietude do namorado e brincou:

- Fica frio, meu bem, é melhor relaxar!

Soltou uma gargalhada, pois achava que Eduardo nunca teria atitude tão infantil. Achava aquilo tudo uma bobagem. Mas a gargalhada soou como uma estaca no coração do rapaz. Acreditou que ela ironizava seus sentimentos. Suava frio, não sabia controlar o que sentia. Via o azul dos olhos de Milena em sua mente, ouvia aquela gargalhada, via a moça rodar na pista, sufocava, se irritava, não conseguia se conter. Puxou a moça pelo braço, que sem entender, o acompanhava assustada. Colocou-a na moto e saiu correndo.

Voava pela rua, costurando entre os carros, numa velocidade frenética. Milena gritava, pedia que parasse, batia em suas costas, mas o monstro do ciúme e o som do trânsito não permitiam que ele a ouvisse. Apenas corria! Passaram por avenidas e becos, bairros nobres e favelas, até que, em cima de uma ponte, ele fez uma manobra e a moça voou. Eduardo manteve-se firme na direção! Milena agonizava sobre contêineres  de um porto desativado. 

Eduardo disparou a sua moto. Estava destinado a passar a vida dormindo a viajar entre lençóis, vendo o corpo de Milena dançar no meio do jantar, num ballet sedutor, e a imagem daquela dança ia e vinha, ora no restaurante, ora na ponte. Já não distinguia sonho e realidade. Aventurava-se pela cidade, a procurar por todos lugares. Todos os faróis lembravam os olhos de Milena. Não vivia mais os dias de descanso, que agora verteram-se em agonia, em quase escravidão, em ser lagarta de novo, aprisionado na falsa liberdade, pois ninguém soubera como Milena despencara ponte abaixo.

Voltou à ponte. Ficou ali alguns instantes. Não sabia precisar quanto. Perdera a noção de tempo, espaço, direção. Perdera a sua bússola, a moça que lhe ensinou tudo, inclusive a sofrer. A moça que lhe permitiu sentir, que  fora seu céu e seu inferno, seu melhor e seu pior.  Foi quando ouviu novamente a gargalhada da bruxa e a voz da deusa,  soprando em seu ouvido. Tudo ficou azul. Faróis não paravam de passar e iluminar aquela cena insana. Viu o mar, viu a palmeira, viu Milena ir e vir na sua dança. Ouviu a sua voz "fica frio, meu bem, é melhor relaxar!" E assim o fez! Estava novamente livre e ao lado de sua amada. Vivia novamente seus dias de férias.

Palmeira no mar!


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Não há rima perfeita

Não se engane, baby!
Nós dois somos iguais,
Ainda que diferentes.
São os mesmos gostos e desgosto,
O mesmo som, a mesma voz,
Esse jeito de tentar ser oposto
É apenas uma visão atroz.

Não se iluda, meu poeta!
Não há indicação, não há seta,
Não há razão que vença o amor!
Não há maneira de fugir da dor
Não há rima perfeita,
Já que toda ela é sujeita
A um dia ser pobre,
Ainda que o poeta se desdobre.

Não se traia, doce cantor,
Não se abarque desse calor.
Eu e você refletimos a aflição,
Transformamos medo em canção.
Não me cobre, se desdobre
Para ser aquilo que me aconselhas.
Dê um banquete ao seu inimigo!
E verás que o que prossigo,
Nada tem a ver com rancor.
É apenas um louco jeito
De não morrer de amor!