domingo, 24 de março de 2013

Estrelas mortas

Do que é capaz uma estrela morta?
Do que serve uma esperança torta?
Por que a vida muda sempre de rota?
De onde me virá essa resposta?

Olho estrelas imaginárias
nesse céu de domingo nublado.
Quais foram queimadas,
em verões passados?
Quais se sustentam
nesse céu de tantas estrelas,
que só assim, em vê-las,
não consigo distinguir.

Quantas tarefas,
quantas promessas,
quantas perguntas
e uma única mente
a pensar sobre isso tudo.
Uma só voz,
pra fazer eco em meio ao mudo.

Se uma estrela pudesse dizer,
será que contaria por que suspira?
Se uma estrela pudesse contar,
diria que o que tem a abrir é o coração?
Se pudesse dizer,
clamaria por apenas uma canção?
Se pudesse chorar,
sangraria essa ferida?
Se pudesse não morrer,
faria parte da sua vida?

Do que é capaz uma estrela morta?


terça-feira, 19 de março de 2013

José

E se, na profusão
das horas veladas,
te faltasse até mesmo a pergunta?

E se no calar
da chuva fina e tempo frio
te faltasse até mesmo a voz?

E se no dia
do santo que te carrega o nome
te faltasse até mesmo a dor?

O que farias?

O que farias sem a retórica
do poeta, que te questiona?

O que farias sem a marcha
sem as Minas, sem o pranto?

O que farias sem o doce,
sem o açoite, sem o encanto?

O que farias,
nessas vestes de falso santo?

O que farias,
nesse dia de nublar a alma?

O que farias,
se de repente, te faltasse a calma?

O que farias,
se o som se tornasse mudo?

O que farias,
quando visse a derradeira hora?

O que farias,
sem nem mesmo o "e agora"?


quarta-feira, 13 de março de 2013

E se eu te contasse?

E se eu te contasse
Sem que eu te matasse
Sem que eu morresse
Sem que eu sorvesse
A toxina do rancor.

E se eu te contasse
Que, de outrora, a meninice
Agora, apenas lembrança
Foi-se o tempo de criança
Veio o tempo da razão

E se eu te contasse
Que no calar das horas mortas
As lembranças me confortam
Ainda que espere muito
Ainda que espere mais

E se eu te contasse
Que a pena já foi paga
A réplica realizada
No sentir suave e sereno
Mas que insiste em bater

E se eu te contasse
E se eu te pedisse
E se eu implorasse
E se eu insistisse
E se eu convencesse

E se eu te contasse
Que o que trago aqui
É amor repentino
Mas nem por isso menino
E por isso peço perdão.

E se eu te contasse
Que os versos daquela hora
Nunca fizeram tanto sentido
Ternura, perdão, de repente,
Olhar estático, doçura dos que aceitam

E se eu te contasse
Que sua voz de profeta
Que sua palavra de poeta
Sempre esteve tão certa.
Só eu não quis enxergar.

E se eu te contasse
Em cada verso raso
Em cada passo dado
Em cada pequeno rastro
Em cada breve pulsar

Mas acontece que não conto
Acontece que não encontro
Jeito, meio, modo, encanto
E assim saber como seria,
Se, um dia, eu te contasse.






terça-feira, 12 de março de 2013

Terminal II*

*Poema rabiscado em guardanapos de papel, de uma mesma lanchonete do Terminal Rodoviário de Niterói, em 11\03\2013


É de voltar mais uma vez,
É de esperar tudo de novo,
É de estar no mesmo lugar,
Que se termina.

Onde termina a esquina do amor?
Onde ela esbarra nos cruzamentos da dor?
Onde ela fica, onde começa?
Onde? Em asfaltos, em carros, em frenesis
Em meio aos pontos, às conversas
Às tardes adversas
Em que terminávamos sempre
Nossos sonhos, à beira mar.

Mar de lamas,
Nossa cama,
Nosso lar.
Desmorona no tempo
Na falta de zelo
Na falta de amar.

O que esperava,
Veio, assim de surpresa
Terminastes aquela canção?
Terminei com tanta interrogação?
O jogo acaba quando termina
E o novo, assim, descortina.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Pronomes

Mudo o nome!
Era eu,
Virou breu.
Virou cinza, pó.

Nós?
Eu + você?
Atados, amarrados
Separados
No descortinar das horas.

À espera de ti
A procura de mim
Seguimos assim
Sem ter onde ir.

O mesmo lamento
Mudou o tempo
Virou conjugação.

De penas, de prantos
Uns, poucos, tantos
Indefinidos em matéria de existir.

Cujas vidas se desatam
E atam.
E matam
um ao outro
E vivem sós.

O que é o nome?
Palavra estática
Não diz, dentre tantas,
aquela que rima com dor.

Espero verbos
Ação, fenômenos
Fazer, acontecer, trovejar,
Naufragar,

Em nós mal dados
Presos ao passado
Nada falado,
Tudo entendido.




sábado, 2 de março de 2013

O inesquecível disco vermelho





Em 1994, tinha apenas 12 anos. Em 1994, estava na antiga sexta série. Em 1994, ainda não tinha dado meu primeiro beijo. Em 1994, crescia ouvindo músicas aos sábados, na hora das faxinas ou dos almoços no quintal, em família.. Em 1994 ainda ouviam-se LPs, em vitrolas conduzidas por agulhas que a gente soprava pra tirar a poeira e as músicas não ficarem pulando. E ainda medíamos milimetricamente a direção da mesma, para cair certinho na faixa escolhida. Em 1994, as músicas de um disco dividiam-se em as do lado A e as do lado B.  Em 1994, meu pai comprou um disco.

E, foi ali, em 1994, que conheci o profeta. Por causa desse disco, que era o registro de um show ao vivo, meu pai dizia: "Gilberto Gil é um profeta!". Na ocasião, acreditava ser essa mais uma das viagens de meu pai. Mas de uma coisa eu tinha certeza: gostava daquelas músicas. Minha bagagem cultural ainda resumia-se a uma pequena bolsa de mão, mas as canções foram colocadas ali. Entre flanelas e vassouras, entre conversas de churrascos, elas iam, uma a uma, internalizando em mim. Ficaram ali guardadas. E o disco, cuja a capa era branca, mas tinha uma arte em que predominava o vermelho, foi entrando na minha lista de favoritos. O inesquecível disco vermelho!

Passaram-se quase vinte anos. Mas ainda hoje as músicas pulsam em meu coração. Inesquecíveis, todas elas. E Gil, com seu jeito que Deus deu, como a todo menino baiano, tornou-se um de meus artistas preferidos. Ele é profeta, com sua capacidade de anunciar boas novas, em forma de letra e música, de poesia, de afago. É voz que clama, talvez em deserto. Voz doce, voz bárbara, que, de uma certa forma, traz  a paz em pequenas frações de minutos de lindos acordes. Hoje compreendo as palavras de meu pai. 

Hoje, não se vêem mais vitrolas. E o disco vermelho tornou-se um depósito de poeira de uma casa decadente. Nesse espaço de tempo, procurei por ele. A cada ida a uma loja, meus olhos percorriam as prateleiras cheias de canções vazias. Quase um garimpo, que trazia, na peneira, algumas obras muito boas, mas nunca ela. Com o tempo, acabei me esquecendo do disco. Não das músicas, apenas da compilação delas em uma única obra.

Mas o tempo é rei, e sempre nos lembra o que queremos esquecer, mas também dá um jeito de trazer boas lembranças. Numa inusitada conversa, quase ao raiar do dia, conversa de bêbados sóbrios, inebriados por uma saudade, por afinidades, por risos despretensiosos, a lembrança veio. Cantarolada, numa singela música, de forma doce. E depois, canção por canção, foram invadindo a minha memória, junto com a lembrança da procura e da vontade de ter o disco.

E garimpei novamente, agora com sucesso! Junto de Gil, ainda vieram os outros doces bárbaros, em álbuns que também não se acham em bancas de camelô com tanto sucesso. Mas que conseguem fazer essa difícil busca valer muito à pena. O "Unplugged" finalmente de volta aos meus ouvidos! Entre flanelas e vassouras, entre conversas de churrascos, agora já internalizadas, as canções vão fazer minha vida um pouco mais feliz.

Gil, com suas músicas de profeta, sua alma cheirando a talco, suas metáforas, jogo de palavras e retóricas, sua sede que pede, lindamente um copo d´água, conseguiu reunir em pouco mais de uma hora, o sentimento de uma vida inteira! E o inesquecível disco vermelho agora se apresenta na minha TV, agora também em imagem, com uma qualidade um pouco duvidosa, devido ao tempo. Mas as canções... Ah, as canções! Os mesmos acordes, a mesma sequência, o mesmo pulsar no meu peito de, outrora broto, agora flor desabrochada. O mesmo movimento oscilante, de um lado pro outro, ritmado de acordo com a música. O mesmo cantar, acompanhando cada letra, de um jeito meio desafinado. A mesma tentativa de assobio, para acompanhar o solo de "Esotérico", que para mim, é uma das melhores músicas desse disco, cheio de melhores músicas.

Só me resta agradecer a Gil por ter feito essa maravilha, por ser essa voz das multidões, essa voz de cada um e todos, de si mesmo e de muitos. A meu pai, por, em 1994, ter comprado aquele disco e ouvi-lo de forma incessante. À procura sem sucesso, que me fez valorizar ainda mais o feito, depois de conseguido. Ao bom papo, que me trouxe a lembrança do disco e me fez procurá-lo novamente, e encontrar até bem fácil, junto com alguns outros tesouros. Com certeza, "a paz invadiu o meu coração", com a chegada do inesquecível disco vermelho.