quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Pra quem detesta poesia

Quem detesta poesia
deve ter nascido
Em um mundo sem cor
Quem detesta poesia
deve ter sido feito
De barro diferente daquele que me criou

Quem detesta poesia nem é gente
Não dessa gente que ri
Não dessa gente que sonha.
Quem detesta poesia não é Pessoa
É um vivente,
É de repente
Alguém que esqueceu.
Que o verso é livre
Assim como a emoção.

Quem detesta poesia é morador
De suas próprias prisões
De seus muros
De um escuro
Pois poesia é luz!

Poesia é voz (e eu grito)
Poesia é vez!
E quem detesta poesia
É porque ainda não fez.

É quem não analisa
É quem não simpatiza
É quem não rivaliza
É sujeito estático
Nesse mundo louco de meu Deus.
É quem não vê os outros como seus
Amigos, irmãos, amantes, errantes.

Quem detesta poesia é quem não vê.
É quem tem olhos, mas não lê.
Não só os versos, mas os avessos.
É quem se avexa!

Quem detesta poesia não tem Bandeira!
Quem detesta poesia passará
E não é passarinho!
Atravanca o caminho
Não vê pedra, vê espinho.
Quem detesta poesia
Atravessa bondes sem pernas
Pretas brancas e amarelas
Quem detesta não poesia
Não sabe essas e nem aquelas

Quem detesta poesia
E ignora os poetas
E ignora os profetas
Nem sabe que o mundo é grande
E não cabe nele as dores de Drummond
Não sabe que essa vida Severina
É feita por tantos galos, que unidos
Tecem as manhãs de João Cabral.

Quem detesta poesia
Perde referências
Perde sua essência!
Pois a poesia
É essa coisa toda de linda!
É essa coisa que não finda
Assim como a esperança!
Quem detesta poesia
Não dança!
Quem detesta poesia
É uma tola criança!

Quem detesta poesia
Nem caberia nesse verso
Mas, ao ouvir tal brado,
Me veio o inverso
E pra dizer que é loucura
Não gostar do verso nosso de cada dia
E me salvar de uma vez
dessa imensa agonia
Só mesmo amando muito
E escrevendo poesia






quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Mira

Muito me admira
Que admirado esteja
Pelo que nem é
Se aqui, alguém mira
É pra admirar a dor

(Nesse jogo de palavras
Que nem mesmo inventei
Já foi lido por ai
Na voz de outro Pessoa)

Nem admira
Nem mira
Nem rima
Só anagrama

É o que tem
Nessa pouca palavra
Que nunca diz
Mas que insinua

Nem mesmo nua
Somente tua
Numa cantiga que versa muda
Numa página qualquer

Versos calados
Na calada da noite
Soa em silêncio
Das conversas que silencia
Mas que me dizem

Que esse silêncio
Fala mais que as palavras todas
Fala até mais
Que as palavras tolas
Que a esmo, joga

Nesse jogo em que me perco
E que perdi!
A hora, outrora, agora
Perdi a rima
Perdi a mira
Admirador?

Não me admiras
Que admirado estejas
Dessa peleja
Em que travei
Me admirei
Agora, já nem sei.


segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Espaço

Meu lado é o maior
Porque nele cabe, comigo,
As palavras que te digo
E as outras que não consigo

Comigo está o meu amor
Um pouco de cobertor
Alguns sopros do ventilador
Os versos do trovador
Que li, e me lembram você.

Estão as memórias
Dos meus livros de cabeceira
Minhas histórias de toda sexta-feira
Meu pequeno grande mundo
Que é seu.

E que te divido
Te levo comigo
No meu abraço
No nosso cansaço
Que se desfaz
Toda vez que te ocupo
Não te culpo

É estreita minha torta maneira
Meu falar tanta besteira
É tão grande a penteadeira
Em que estão tantas coisas
(Inclusive seu perfume)
É tão pequena essa fagueira
Vida que te divido

Meu espaço é maior
Porque te levo sempre comigo
Até quando está ausente
Quando não sente
Que estou ali.

Mas ali estou,
Porque maior que meu espaço
Só mesmo o meu amor.

Meu amor,
O que é meu e é seu não existe
Dentre o que levo ou deixo
Tudo é uno
Tudo é único
Tudo é nosso
E assim, sempre que posso
Deixo um tantinho pra lá.

Para que você caiba
Para que você saiba
Para que nunca acabe
O que você,
se não sabe,
Faço questão de versar.

Meu espaço
Meu cansaço
Meu regaço
Meu lençol
Meu farol
Meu colchão
Minha paixão
Tudo tem um só tamanho
E só cabe se tiver você!

sábado, 6 de janeiro de 2018

Outra canção

Por que repito
Esse mesmo rito
Esse mesmo grito
Silente

Outra canção
Aquela mesma ainda
Que toca no rádio
E que não ouço

Pois meus ouvidos
Ficaram moucos
Meu verso rouco
Para dizer
O que nem sei.

Nesse vazio
Vadio tempo
Que faz inverno
Em pleno janeiro

E que me leva
Aos mesmos lugares
Mesmas palavras
Mesmo versar
Que não é esse

Mas de conversar
Já se cansou
Desencantou
Esse meu canto

Esse escanteio
Que de canto ri
Amarelado
Do seu sorriso
Do ensolarado
Que está lá fora

Mas aqui dentro
Só um intento
De entender
De que me entendas
De que surpreendas

De que me verses
Quaisquer palavras
Tão dedicadas
Tão comentadas
Mas pouco faladas
Quando me ruma

Em verso mudo
Não sei se iludo
Ou se me mudo
Não sei se nada
Ou se é tudo.